Até às 20h de ontem, somente um de cada dez brasileiros havia recebido duas doses de vacina contra a Covid-19.
Quatro meses depois de iniciada a vacinação, existem apenas 22 milhões de pessoas imunizadas numa população de 212 milhões.
Esse ritmo lento é consequência da escassez de vacinas — resultado do engenho político do governo Jair Bolsonaro como tem sido demonstrado, diariamente, pela CPI da Pandemia.
A lerdeza na vacinação condiciona a economia. Como diz o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, “o tempo é essencial”, porque o medo da morte se reflete na auto-imposição do distanciamento social, cujo custo econômico é elevado.
Numa reunião com banqueiros, nesta semana, ele sugeriu estudos sobre como a vacinação ao ritmo de um milhão a dois milhões de pessoas por dia — ou seja, ao dobro ou ao triplo da velocidade atual —, influenciaria o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).
Campos Neto sabe o resultado porque o Banco Central fez essas projeções, e resumiu: “É um impacto brutal.”
Empresas financeiras incorporaram prospecções do gênero à rotina das avaliações de risco político e econômico. Na corretora paulista BCG Liquidez, por exemplo, os economistas Juliano Ferreira e Rafael Costa começaram a semana com a análise de algumas das consequências desse ritmo lento na vacinação.
Em maio, a média ficou abaixo de 600 mil pessoas por dia. Nessa velocidade, somente em setembro seria possível alcançar 80% do grupo de brasileiros com mais de 60 anos imunizados com a segunda dose.
Haveria antecipação do prazo, se a partir de amanhã o ritmo fosse acelerado para um milhão de vacinados por dia, numa demonstração de competência do governo em comprar e receber com urgência os insumos e as vacinas que descartou durante o ano passado.
Na vida real, as chances disso acontecer são reduzidas. Por isso, a economia continuará patinando. Em consequência, se complicam as perspectivas de Bolsonaro e seus aliados para a temporada eleitoral de 2022.
A bancada governista na CPI da Pandemia é caso exemplar. No plenário da comissão, o mais ativo defensor de Bolsonaro, e da sua opção por cloroquina em vez de vacina, tem sido o senador Marcos Rogério, do DEM de Rondônia.
Ele é candidato ao governo do Estado mais atrasado na vacinação e que detém com a segunda maior taxa de mortalidade do país.
Até à noite de sexta-feira, 87,2% da população de Rondônia (1,7 milhão) não havia recebido sequer a primeira dose. No mesmo dia e horário, o contingente dos sem vacina em Mato Grosso do Sul era muito menor (72,2%).
A lenta imunização deixou Rondônia com a segunda maior média de mortes por Covid-19 do país, atrás apenas do Amazonas — indica levantamento do Tribunal de Contas do Estado em parceria com a Controladoria Geral da União, a partir de informações do Ministério da Saúde.
Foram 286 vítimas por grupo de 100 mil habitantes no primeiro trimestre. Esse nível de mortalidade é 53% superior à média nacional.
A situação é ainda mais crítica em um dos principais redutos eleitorais do senador Marcos Rogério: Porto Velho registrou mortes em quantidade 60% acima da média brasileira.
O quadro não é muito diferente nos estados de outros integrantes da bancada governista na CPI.
Fernando Bezerra Coelho (MDB), líder de Bolsonaro no Senado, é representante de Pernambuco, onde 81,6% dos habitantes (9 milhões) continuam à espera da primeira dose da vacina contra a Covid-19.
Mais acima, no mapa do Nordeste, a situação está um pouco pior. O Piauí do líder do Centrão Ciro Nogueira (PP), candidato ao governo estadual, mantém 82% da população (3,1 milhões) sem vacina. Empata com o Ceará (9,1 milhões de habitantes) do senador Eduardo Girão (Podemos).
Nesse ritmo vagaroso, a vacinação tende virar um grande problema Bolsonaro e aliados na campanha eleitoral do próximo ano.
Se nada mudar na ação do governo federal pela vacina, somente na época das eleições gerais de 2022 o país deverá atingir a imunização do grupo populacional com mais de 16 anos. Ou seja, a vacinação das 147 milhões de pessoas que compõem o eleitorado nacional só estará completa na época da contagem de votos.
Até lá, Bolsonaro e aliados correm o risco de atravessar a campanha eleitoral expostos à cobrança constante dos eleitores ansiosos pela vacina, cuja escassez limita o crescimento econômico do país.