Nas últimas duas semanas o ministro Walter Braga Netto produziu mais confusão na política do que qualquer dos antecessores no Ministério da Defesa nos últimos 22 anos.
No começo do mês chamou os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica para subscrever um manifesto contra o Senado, a pretexto de responder críticas feitas por um senador em plenário, que, por sinal, já havia se retratado. Combinou a nota com o presidente.
Ontem defendeu sozinho, em público, posições partidárias de Jair Bolsonaro sobre um assunto que é da exclusiva competência do Legislativo, manda a Constituição. Leu a nota diante de Bolsonaro.
Nos dois casos, Braga Netto deu clara prioridade aos interesses do seu líder político. Nas três centenas de palavras que divulgou, em 15 dias, não há traço de país, de projeto nacional ou mesmo de interesse público.
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A crítica ao Senado tinha como alvo secundário a comissão parlamentar de inquérito que investiga má gestão e até mesmo suspeitas pontuais de corrupção na Saúde durante a pandemia.
O voto impresso é mero tópico do marketing da reeleição presidencial, sem fundamento na realidade de um processo eleitoral pelo qual Bolsonaro se elegeu sucessivamente nas últimas duas décadas e meia sem contestações, dele ou dos adversários.
Na falta de interesse público na mesa, sobra o hábito do governo pelo tumulto cultivado pelo presidente-candidato. Braga Netto encontrou a chance de reforçar a impressão de que, sob Bolsonaro, se produziu um amálgama dos interesses das Forças Armadas, instituições de Estado, com os do governo.
Até agora, não há evidência de que isso tenha acontecido na vida real. Muito menos de que o comando do Exército, por exemplo, tenha sido fracionado em células de ativismo político interesseiro, como ocorre em parte das polícias militares, já não controladas pelos respectivos governadores estaduais.
+ O corredor de escape do Exército
Existem, sim, diferentes pesquisas de opinião indicando, em dois anos e meio de governo com moldura militarista, um declínio da credibilidade pública nas instituições militares — queda de doze pontos entre janeiro de 2019 e o mês passado, de 70% para 58% (XP-Ipespe). E todas as sondagens sugerem que o projeto de poder do governo Bolsonaro foi abalado pelo próprio desgoverno na pandemia. Essa é a origem da crise.
Por coincidência, Braga Netto esteve no centro de decisões governamentais na gestão da pandemia. Durante um ano na Casa Civil, ele comandou o “Centro de Governo”, organismo criado por decreto, composto pelo “Comitê de Crise”, com funções de planejamento, e um “Centro de Operações”, braço operacional.
Na documentação reunida pela CPI sobre essa estrutura burocrática proliferam registros de insólito desempenho na governança.
Exemplo: de abril a julho do ano passado, quando o país contou as primeiras 100 mil mortes por Covid-19, o “Comitê de Crise” da Casa Civil supervisionou despesas somadas de R$ 286,5 bilhões.
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Desse total, até o dia 31 de julho, apenas 7,6%, ou seja, R$ 22 bilhões, tinham relação direta com a doença. Os restantes R$ 264,5 bilhões foram gastos em estímulos a segmentos da economia.
Uma das análises feitas na época pelo Tribunal de Contas da União, contém a seguinte observação: “Tal situação tem alta probabilidade de representar uma opção política do ‘Centro de Governo’ de priorizar a proteção econômica.”
Na sequência, o TCU fez uma advertência direta, para “alertar à Casa Civil da Presidência” sobre “a ausência de diretriz estratégica clara de enfrentamento à Covid-19”. Recomendou ao ministro-chefe, entre outras coisas, que não permanecesse inerte “diante desse cenário de mortandade desenfreada” e que passasse a adotar nos gastos públicos “critérios relacionados à redução de contaminação e de mortes causadas pela Covid-19”.
Doze meses se passaram desde que se apertou o botão de alarme no “Centro de Governo”. O país agora tem 547 mil mortes, na contagem de ontem à noite.
O avanço da CPI na análise das decisões tomadas por Braga Netto na Casa Civil durante a pandemia tem sido um claro fator de incômodo para o ministro da Defesa. Ajuda a explicar, em parte, sua opção preferencial pela confusão política nas últimas duas semanas.