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Durante 40 minutos, deputados negaram a realidade das bombas e morte

Bancada religiosa quis manter a sessão para votar o aumento da imunidade tributária das igrejas, que vai custar R$ 4 bilhões por ano aos cofres públicos

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 14 nov 2024, 11h55 - Publicado em 14 nov 2024, 08h00

– Deus está vendo, hein! – disse sorrindo o deputado Marcelo Crivella, eleito pelo Republicanos do Rio, ao passar por Chico Alencar, do PSOL fluminense.

O relógio do plenário da Câmara marcava 19h24m. Estava em votação uma proposta de emenda à Constituição ampliando a imunidade tributária das igrejas, a um custo estimado em quatro bilhões de reais ao ano para os cofres públicos.

Alencar revidou a ironia no microfone: – É isso mesmo: Deus está vendo. E Deus não é mercador, como sabemos… – prosseguiu listando as isenções fiscais dadas às igrejas, uma a cada legislatura nas últimas três décadas e meia. Há 550 mil templos espalhados pelo país, segundo o IBGE.

O projeto é resultado da parceria de Crivella, pastor da Universal, com José Airton Cirilo, militante católico eleito pelo PT do Ceará. A iniciativa foi apoiada pelo governo, que, sob pressão fiscal, vive uma situação paradoxal: Lula protesta diariamente contra a ampliação das isenções fiscais que ele sanciona, enquanto manda ministros analisarem cortes de gastos em áreas prioritárias como saúde, educação e previdência.

O deputado-pastor, Sóstenes Cavalcanti, do PL do Rio, comandava a sessão. Foi interrompido às 20h09m: – A imprensa está noticiando que uma pessoa com explosivos se aproximou da entrada do STF – disse a deputada Sâmia Bomfim, do PSOL de São Paulo. – Uma explosão foi ouvida de dentro do prédio, que foi evacuado. Polícia Militar e bombeiros confirmaram a morte de uma pessoa… Estamos, evidentemente, numa situação de muito risco, de muito perigo. Eu, honestamente, não me sinto nem um pouco segura de continuar neste recinto sabendo que, do lado de fora, há bombas sendo explodidas…

Tumulto no plenário. Sentindo-se sob risco iminente, a deputada sugeria a suspensão da sessão, mas a bancada religiosa insistia em votação rápida, “para honrar nossos antepassados”, argumentava Crivella.

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– Está tudo em perfeita segurança – anunciou o deputado-pastor Otoni de Paula, do MDB do Rio. – Quem continuar aqui dentro vai estar seguro. Então, eu recomendo à deputada Sâmia que vote como quer votar e aí, depois, espere um pouquinho e saia, vai sair com bastante segurança…

Meia hora depois, a polícia já havia cercado a Praça dos Três Poderes. Destroços de explosões se espalhavam no entorno asfaltado do Congresso. A chuva encharcava um corpo estendido no chão de pedras portuguesas diante da escultura “Justiça” de Alfredo Cheschiatti, na entrada do Supremo Tribunal Federal. Alarmado, Lula recebia chefes da Polícia Federal e do serviço secreto no Palácio da Alvorada. Cercada por policiais, a vice-governadora do Distrito Federal, Celina Leão, confirmava o atentado com morte no centro do poder.

No plenário, porém, a bancada religiosa insistia na votação. – Eu estou atento a todos os fatos – argumentou Sóstenes Cavalcanti, justificando o prosseguimento da sessão. – Parece que não há óbito…

– Mas bombas estão sendo explodidas no entorno – comentou Sâmia Bomfim.

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– Temos de ter informação precisa. Este plenário não se pauta pela imprensa – retrucou Sóstenes.

Aumentou o tumulto. E a emergência de segurança coletiva virou disputa política, com laivos de psicopatia.

– Veja como a Esquerda, o PSOL, odeia as igrejas – gritou Marcos Pollon, do PL do Mato Grosso do Sul. – Cambada de herege! Querem a destruição das igrejas. Temam ao Deus verdadeiro, cambada de demônios! Vocês se levantam contra a igreja, e não prosperarão. Vocês se levantam contra os fetos, contra os bebês, e não prosperarão.

– Será que temos que votar esse projeto a qualquer custo neste momento? Pelo amor de Deus! – protestou Glauber Braga, do Psol do Rio.

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– A informação que tenho do chefe da Segurança é que não há esse estardalhaço todo do lado de fora – persistiu Sóstenes.

– O maior risco aqui é a extrema esquerda – provocou Evandro Gonçalves, do PL do Rio Grande do Norte, que costuma se apresentar a bordo de uma farda de policial militar.

Chico Alencar apelou: – Gente, um pouquinho de serenidade aqui.

Lenildo Mendes, do PL do Pará, cortou: – Se a Esquerda está insegura, é só ir para casa… O Brasil não aguenta pagar tanto imposto para a esquerdalha ficar dando pitaco aqui não.

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O relógio marcava 40 minutos desde a primeira informação. Às 20h48, Sóstenes anunciou: – Eu acabo de receber a confirmação do óbito, agora. Então, por conta disso, eu vou suspender a sessão para que seja averiguado.

Maria Goreth, do PDT do Amapá, alertou: – Senhor presidente, não podemos sair, está tudo fechado. Está suspensa a circulação de carros.

– Está suspensa? Eu não sei… – Sóstenes vazava perplexidade , na presidência. – Então, quero propor um minuto de silêncio, já que foi confirmado o óbito e, após isso, nós suspendemos a sessão. Os seguranças da Casa estão em todos os acessos, para garantir a nossa saída com segurança daqui até os nossos lares…

Peritos em bombas avançavam na varredura dos corredores e gabinetes da Câmara. A polícia já identificara o morto numa das explosões: Francisco Wanderley Luiz, conhecido como Tiu França em Rio do Sul, cidade de 70 mil habitantes no Vale do Itajaí, região de Santa Catarina com lastro histórico no conservadorismo. Mês passado ele disputou uma vaga de vereador pelo PL. Saiu das urnas com apenas 98 votos. Derrotado, viajou a Brasília para iniciar uma “revolução”, como anunciou em redes sociais.

Foi o terceiro ato criminoso e típico de terrorismo em áreas sob jurisdição federal nos últimos 23 meses. As falhas de segurança são evidentes. Realçam a confusão política e institucional brasileira.

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