Nem em sonho Lula ganharia um presente de Jair Bolsonaro como o que recebeu ontem, na abertura da última semana da eleição.
Às 13h40, Bolsonaro divulgou video com a seguinte mensagem: “Repudio as falas do Sr. Roberto Jefferson contra a Ministra Carmen Lúcia e sua ação armada contra agentes da PF, bem como a existência de inquéritos sem nenhum respaldo na Constituição e sem a atuação do MP.”
Usou 37 palavras para dissimular a “ação armada” do aliado, que é dono do PTB. No video, Bolsonaro apresentou-se sentado, lendo a nota de cabeça baixa.
Jefferson acabara de ferir a tiros e estilhaços de granada uma dupla de agentes federais que tentavam cumprir ordem para sua prisão preventiva, em regime fechado, assinada pelo juiz Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral.
Na solidariedade tardia à juíza, insultada por Jefferson 24 horas antes, ele obedecia à lógica do candidato preocupado com a rejeição recorde (acima de 50% nas pesquisas) no eleitorado feminino.
Na acusação genérica ao Judiciário, por suposta atuação à margem da lei, repisava o estímulo ao tumulto do processo eleitoral — método que passou a recorrer com frequência diária desde julho do ano passado, quando foi ultrapassado por Lula nas pesquisas de intenção de voto.
Entre ambas, mitigou a “ação armada” do aliado Jefferson, que estava em prisão domiciliar, com tornozeleira, em ação penal iniciada pela Procuradoria-Geral da República por incitação a agressões armadas contra agentes públicos, além de crimes de ofensas e homofobia.
Arrematou: “Determinei a ida do Ministro da Justiça ao Rio de Janeiro para acompanhar o andamento deste lamentável episódio.”
Foi assim que Bolsonaro cavou o buraco em que se meteu, numa tentativa tosca de amparar o aliado político, doente e sustentado por empresários amigos do Planalto, cuja fidelidade acabara de ser testada no empréstimo da candidatura presidencial pelo PTB, um autoproclamado padre, como linha auxiliar na campanha à reeleição.
De forma objetiva, em público, Bolsonaro se alinhou ao escudeiro Jefferson na “ação armada” contra policiais feridos em missão. Enviou o ministro da Justiça “para acompanhar”, algo não somente inédito mas, principalmente, absurdo — interferência no cumprimento de ordem judicial e durante o flagrante de uma dupla tentativa de homicídio durante resistência à prisão.
O ministro Anderson Torres, delegado federal e protagonista de inquéritos criminais no STF e no TSE, interrompeu sua viagem em Juiz de Fora, quando assessores alertaram Bolsonaro sobre o risco de obstrução de justiça e outros crimes, como prevaricação ou abuso de poder.
O estrago estava feito. A percepção da proteção presidencial a Jefferson contaminou redes de policiais federais, militares e civis: com dois agentes feridos e hospitalizados, o candidato à reeleição de colocara contra um pedaço da própria base eleitoral para apoiar o atirador — aliado e dono do PTB.
Bolsonaro precisou de quatro horas para entender a armadilha política em que se deixou aprisionar. Nesse período, silenciou-se a linha de defesa dos robôs digitais da sua campanha. Emudeceram, também, os parlamentares bolsonaristas.
No fim da tarde, Bolsonaro decidiu jogar Jefferson ao mar, em público. Classificou o aliado como “bandido”. Seguiu em campanha justificando-se (“não tem uma foto minha com ele”; “não tenho relações…”).
Os danos começaram a ser medidos pela equipe de campanha, e os resultados negativos colhidos em grupos de entrevistados, no domingo à noite, são consideráveis. Bolsonaro deu um belo presente ao adversário Lula na reta final da eleição.
Jefferson terminou a noite numa cela, distante uma centena de quilômetros da cena do crime, seu refúgio em Levy Gasparian, na serra fluminense, no meio do Caminho Novo (atual BR-040), desbravado no século XVII pelo bandeirante Garcia Rodrigues Paes (essa empreitada reduziu em duas semanas o tempo de transporte de ouro de Minas para Lisboa, acelerando a transferência da capital da colônia de Salvador para o Rio.)
Fez a última participação na campanha de Bolsonaro, e acabou publicamente abandonado pelo aliado. Encenou o roteiro como um velho amante de ópera. Escreveu a própria tragédia com ódio e sangue, na paixão pelo suicídio. Como em “Butterfly”, seu drama favorito.