Flávio Dino, ministro da Justiça, pôs no horizonte a possibilidade de prisão de Jair Bolsonaro por fraude, apropriação e desvio de bens públicos, no caso das joias das arábias: “É evidente que essa responsabilidade se acha relacionada com o próprio ex-presidente. Não é crível que haja esse comércio inusitado de bens, com circulação de valores, e não houvesse algum tipo de ciência (dele). Eu diria que indícios múltiplos, consistentes, conduzem neste momento a um delineamento progressivo de uma responsabilidade que vai além dos assessores, por motivos lógicos”.
Prisão preventiva? As condições básicas “já existem”, acha o ministro que, em 2006, trocou a carreira de doze anos como juiz federal, com estadia no comando da Secretaria-Geral do Conselho Nacional de Justiça, pelo mandato de deputado federal — na sequência, elegeu-se governador e, ano passado, senador pelo PSB do Maranhão.
Dino vê Bolsonaro enlaçado nos “indícios de autoria” e na “materialidade de um crime”, como já reportou a polícia ao Supremo Tribunal Federal. Mas, por enquanto, considera prisão apenas uma hipótese: “Há outros requisitos”, ressalvou aos repórteres Fabíola Cidral, Juliana Dal Piva e Leonardo Sakamoto.
O principal é a centralidade política do Judiciário, em especial do Supremo, cujas táticas e estratégias, métodos e técnicas completaram uma década na vitrine — expostos nos processos do mensalão e do petrolão de Lula, e, agora, nos inquéritos de fraudes, de tentativa de golpe, de peculato e lavagem de dinheiro com as joias das arábias de Bolsonaro.
Entre juízes do STF há quem defenda ter chegado a hora de uma autocontenção, sugerindo uma transição sutil do ciclo de imposição do poder para o da coação pelo exercício da autoridade. Há controvérsia, como indica o juiz Alexandre de Moraes em sucessivas decisões nos inquéritos sobre Bolsonaro e aliados. Para ele, ainda é necessária a autoproteção institucional com uso “de todos os mecanismos constitucionais previstos”, até porque a Constituição não permite que seja usada sem limites para minar ou romper com o regime democrático.
“A prisão já é debatida, mas vai depender da disposição do STF”
Do outro lado da Praça dos Três Poderes, o Congresso tenta encontrar o rumo na liquefação institucional. Bolsonaro está inelegível, mas permanece como sujeito oculto nos plenários da Câmara e do Senado. Paradoxalmente, influi na dissolução da credibilidade legislativa, como se vê nas cenas cotidianas de teatro do absurdo protagonizadas por radicais da oposição e do governo na CPMI do Golpe — parte da bancada bolsonarista é composta de homens que, por razões insondáveis, fazem questão de registrar nas sessões públicas da comissão o seu desgosto por mulheres, principalmente as parlamentares.
Nesse inquérito legislativo, em meio à gritaria que libera ansiedades, começou-se a jogar luz sobre o lado menos conhecido do enredo de Bolsonaro — a identificação dos empresários que se encantaram e resolveram apostar dinheiro na trama golpista. Nos últimos dias foram quebrados os sigilos fiscal, bancário e de comunicações de meia centena de produtores rurais, industriais, comerciantes, empreiteiros, mineradores, transportadores e suas empresas, cujos negócios se estendem por uma dúzia de estados, de Norte a Sul.
O objetivo é mapear a rota de financiamento da rede de propaganda eletrônica, comícios e acampamentos nas portas dos quartéis. E, também, esclarecer situações esquisitas.
Uma delas é a concessão de crédito (mais de 100 milhões de reais) em banco público, durante a campanha eleitoral do ano passado, para um grupo empresarial que estava impedido por dívidas pendentes (mais de 200 milhões de reais) com a União. Parte do dinheiro foi usada na compra de uma frota de caminhões que os órgãos de segurança dizem ter sido deslocada para Brasília em apoio às invasões do Congresso, do STF e do Palácio do Planalto, no dia 8 de janeiro.
Outra esquisitice é a despesa milionária (23 milhões de reais) da Polícia Rodoviária Federal com uma revendedora de equipamentos para espionagem, rastreamento telefônico e monitoramento de redes sociais. Esse caso chamou a atenção da comissão parlamentar porque a Polícia Rodoviária não possui competência legal para realizar investigações como a Polícia Judiciária.
O enredo de Bolsonaro e aliados vai sendo desvelado em múltiplas investigações. Ressalvada a hipótese de um milagre, o ex-presidente deverá gastar os próximos anos se defendendo em todas as instâncias do Judiciário.
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Publicado em VEJA de 18 de agosto de 2023, edição nº 2855