Três meses depois de se tornar o primeiro ser humano a viajar pelo espaço, Yuri Gagarin desembarcou em Brasília.
Aos 27 anos, navegara a bordo da cápsula Vostok em volta da Terra numa viagem de 106 minutos, em órbita a 315 quilômetros de altura numa velocidade equivalente a 28 mil km/h.
Voltou como celebridade de um mundo em Guerra Fria. Num roteiro diplomático, desembarcou em Brasília para entregar ao presidente Jânio Quadros uma mensagem “de paz” do líder comunista Nikita Kruschev, receber a Ordem do Cruzeiro do Sul e, também, homenagens da Aeronáutica por mérito “na esfera de navegação aérea”.
Naquela quarta-feira (2) de um agosto seco de 1961, a estranha cidade recém-plantada no cerrado deu-lhe a sensação de estar “chegando num planeta diferente” — contam os registros consultados pelo jornalista Bruno Hoffmann, do site O meu lugar.
Continua sendo uma descrição adequada de Brasília, lugar em que a vida orbita o poder.
O centro de gravidade é o Palácio do Planalto.
Ali sempre funcionou uma usina de excentricidades políticas, mas o governo Jair Bolsonaro exponenciou a produção de extravagâncias.
A última de Bolsonaro é uma operação paralela dentro da própria administração.
Aconteceu assim:
1) Ele quer reduzir os preços dos combustíveis com subsídios estatais, mas o Ministério da Economia recomendou que fizesse de forma limitada para não ampliar muito o déficit do governo;
2) Bolsonaro, então, driblou a Economia. Autorizou a Casa Civil a preparar um projeto numa escala de custos para o Tesouro três vezes acima (R$ 54 bilhões) do limite de prudência indicado pelos gestores da política econômica;
3) O texto virou proposta de emenda constitucional e foi entregue a um parlamentar aliado, que assumiu a autoria no Congresso (esqueceram de limpar as digitais do original da Casa Civil, ocultas nas “propriedades” da versão eletrônica);
4) No formato de emenda constitucional, não precisa voltar ao Planalto, para sanção presidencial, porque depois de aprovada é promulgada pelo Congresso.
Bolsonaro inovou ao fazer uma operação encoberta dentro do próprio governo para ludibriar o Ministério da Economia, a partir da Casa Civil e com aliados no Congresso.
Candidato à reeleição, agora aguarda no Planalto a colheita dos dividendos eleitorais previsíveis, derivados da redução subsidiada dos preços da gasolina, do diesel e do gás de cozinha. “Tem que pensar no povo, não no Estado”, argumentou no domingo.
Se tudo acontecer como previsto, haverá uma vantagem adicional: não poderá ser culpado por um extraordinário aumento do rombo no Tesouro ( 67% a mais dos R$ 80 bilhões previstos para este ano). Afinal, quem aprova e promulga emenda constitucional é o Congresso, que pode ampliar ainda mais os gastos — proposta em tramitação no Senado tem custo estimado em R$ 120 bilhões.
Caso os parlamentares resolvam deixar o problema para ser resolvido depois das eleições gerais, Bolsonaro poderá dizer ao eleitorado que fez o possível, mas a decisão final é do Legislativo “dentro das quatro linhas da Constituição”.
Gagarin desembarcou, olhou e acertou até no que não viu naquele cerrado seco de seis décadas atrás: Brasília não é só diferente do planeta azul visto de fora, é um lugar onde acontecem até coisas de outro mundo.