Jair Bolsonaro viajou 1,2 quilômetros para se reunir com Vladimir Putin em Moscou. Conversaram por quase duas horas. Entre outras coisas, sobre o sucesso das pequenas centrais nucleares russas que fornecem energia elétrica a cidades de até 200 mil habitantes, e sobre o êxito brasileiro na tecnologia de levitação centrífuga para enriquecimento de urânio.
A prioridade de Bolsonaro em Moscou era obter de Putin uma garantia formal de suprimento de fertilizantes, a preços estáveis, para as futuras safras brasileiras.
Putin deixou Bolsonaro na promessa. Além das fotografias de viagem, úteis à campanha eleitoral, sobrou um único papel assinado.
Coincidência ou não, no mesmo dia o vice-presidente russo Yuri Borisov estava em Caracas subscrevendo dezenas de compromissos militares com o ditador venezuelano Nicolás Maduro.
Em Moscou produziu-se um protocolo sobre troca de informações secretas entre o Palácio do Planalto e o Kremlin.
Criou-se uma cobertura jurídica para cooperação entre os serviços estatais de espionagem do Brasil e da Rússia. “Assunto sensível, reservado”, definiu Bolsonaro.
Assinaram o documento o chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, Augusto Heleno, e o secretário do Conselho de Segurança da Rússia, Nikolai Patrushev. Por ironia, ambos atravessaram a vida militar em lados opostos, no mesmo campo de batalha.
Em 1977, por exemplo, o brasileiro era capitão. Como ajudante de ordens no gabinete do ministro do Exército, Sylvio Frota, participou de uma conspirata para derrubar o general-presidente da época, Ernesto Geisel, e perpetuar a ditadura — sempre em nome do “combate ao comunismo”.
Deu errado. Geisel defenestrou Frota e desenhou o epílogo do regime, impondo a volta dos militares aos quartéis. Heleno foi parar na academia de Resende (RJ), onde acabou instrutor de Bolsonaro. Encontraram no anticomunismo um meio de vida na política.
A União Soviética sobrevivia há seis décadas quando Petrushev se tornou oficial graduado da espionagem na seção de Leningrado (hoje São Petersburgo), onde trabalhava Putin. Amigos, ascenderam juntos na agência KGB e na sucessora FSB.
Em 1999, quando Putin virou primeiro-ministro, o general Petrushev o sucedeu no comando da FSB. Na presidência, Putin o levou para o Conselho de Segurança. Estão há mais de duas décadas no Kremlin.
Heleno gastou quase toda a vida numa guerra imaginária contra a ameaça comunista no Brasil. Do outro lado do planeta, Petrushev combatia nas sombras a ameaça capitalista.
Ontem, em Moscou, assinaram um acordo para troca de informações sigilosas com o mesmo objetivo: a lutar contra adversários — nacionais ou estrangeiros — das estruturas de poder a que servem, e desfrutam, sob a bandeira da democracia.