A união de organizações civis, em São Paulo para ato público em defesa do regime democrático já produziu efeitos políticos relevantes na campanha eleitoral: Jair Bolsonaro e aliados passaram à posição defensiva.
Na fim da tarde terça-feira, a direção da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo fez circular o manifesto da miríade de organizações civis que organizam um comício suprapartidário no próximo dia 11 na capital paulista. A mensagem é objetiva: “Sabemos deixar ao lado divergências menores em prol de algo muito maior, a defesa da ordem democrática.”
Com apenas 72 horas de circulação na internet, contavam-se ontem mais de 160 mil assinaturas de apoio. No início da tarde desta quinta-feira (28) já havia ultrapassado 260 mil.
É uma peça simbólica da fadiga com as ameaças constantes de tumulto no processo eleitoral, conhecida tática de sabotagem da estabilidade do regime democrático. Seria apenas mais um abaixo-assinado, não fosse a escalada de adesões individuais e de organismos da elite brasileira.
Ontem, em Brasília, Jair Bolsonaro, Arthur Lira, presidente da Câmara, e Ciro Nogueira, chefe da Casa Civil, demonstraram preocupação com os efeitos da reação política organizada em São Paulo.
Eles sentiram o golpe. Perceberam os riscos implícitos para a campanha de reeleição.
Há pelo menos três razões para isso: o comício é suprapartidário, deixa Bolsonaro exposto no alvo coletivo e está marcado para cinco dias antes do início da propaganda eleitoral no rádio, na televisão e na internet, o que pode garantir ampla repercussão ao protesto.
“Manifesto político”, desqualificou o candidato enquanto caminhava do Palácio do Planalto à sede do Congresso para participar da convenção do Partido Progressistas (PP), locomotiva do agrupamento parlamentar conhecido como Centrão.
Na sequência, diante dos aliados, Bolsonaro manteve o tom de desdém: “Vivemos num país democrático, defendemos a democracia, não precisamos de nenhuma cartinha para dizer que defendemos a democracia.”
Acrescentou: “Não precisamos, então, de apoio ou sinalização de quem quer que seja para mostrar que nosso caminho é a democracia, a liberdade, respeito à Constituição.”
Arthur Lira, presidente da Câmara, chefe do PP e coordenador do Centrão, mostrou-se afetado pelas críticas ao silêncio obsequioso com as tentativas de tumulto do processo eleitoral: “A Câmara dos Deputados fala quando é necessário falar, não quando querem obrigá-la a falar.”
Prosseguiu, um tanto esquivo quanto desconexo, na afirmação do próprio poder: “Instituições no Brasil são fortes, são perenes e não são e nunca serão redes sociais. Não podemos banalizar as palavras das autoridades no Brasil. Não farão isso com a Câmara dos Deputados enquanto eu for presidente.”
Ciro Nogueira, chefe da Casa Civil de Bolsonaro e presidente licenciado do PP, produziu uma autodefesa permeada por ressalvas: “Acredito [nas urnas eletrônicas], só não acho que elas são infalíveis. Isso aí eu sempre disse. Não há nada que não possa ser aperfeiçoado. Mas eu acredito [nas urnas] totalmente.”
As pesquisas indicam que vai ser a eleição da rejeição, ou, como tem repetido Bolsonaro, a da escolha do “menos pior”. A reunião do PP, ontem, poderia servir como caso de estudo sobre os reflexos do medo como sentimento na política.