É dura a vida de um presidente-candidato.
Ontem, Jair Bolsonaro saiu de Brasília e viajou pouco mais de mil quilômetros para inaugurar uma ponte estaiada de 185 metros em Santa Filomena, no Alto Parnaíba piauiense, fronteira com o Maranhão.
É uma cidade de pouco mais de seis mil habitantes, palco de um romance que virou lenda regional no século XIX: Camilo Vieira, rico fazendeiro, foi à Paraíba, viu, se apaixonou e comprou Esmeralda, a quem deu uma ilha (atualmente chamada Santo Antonio) e viveram felizes para sempre na fazenda “Contrariado”.
Pela lógica eleitoral, o candidato Bolsonaro não teria muitos motivos para retirar o presidente do expediente matinal no Palácio do Planalto e submete-lo a horas de sol inclemente num ponto remoto do mapa agropecuário, cuja principal cidade premiou seu adversário Fernando Haddad, do PT, com 80% dos votos no segundo turno em 2018.
Bolsonaro, porém, foi a Santa Filomena para ajudar a dar impulso à complicada campanha do senador Ciro Nogueira ao governo do Piauí. Líder do Centrão, estava ao lado do ministro Augusto Heleno, que em 2018 animava auditórios bolsonaristas cantando uma paródia: “Se gritar pega Centrão, não fica um meu irmão…”
Eles ensaiam uma volta no tempo. Se der certo, Bolsonaro entraria no PP nas próximas semanas. Seria candidato pelo partido de Ciro Nogueira e de Arthur Lira, presidente da Câmara, em aliança com o o Republicanos de Valdemar da Costa Neto e o PTB de Roberto Jefferson.
Aguardariam uma definição do PSD de Gilberto Kassab, que avalia alternativas. Até lá, o núcleo do Centrão ocuparia praticamente todas as posições-chave da Esplanada dos Ministérios, em Brasília.
“O que nos une são as pontes”, lembrou Bolsonaro, dirigindo-se a Ciro Nogueira. A estaiada que liga Santa Filomena a Alto Parnaíba, no Maranhão, é caso exemplar.
É projeto da década de 90 do século passado, tem relevância para o agronegócio no cerrado do Matopiba (MAranhão, TOcantins, PIauí e BAhia), mas ficou paralisado por duas décadas pelos conflitos de Ciro com adversários regionais.
Em 2109 ele liderou o lobby para desengavetar o projeto e a liberação do financiamento de R$ 30 milhões, boa parte verbas do orçamento cujo destino é arbitrado por aliados do governo. “O orçamento não é do presidente, é do governo e do parlamento”, esclareceu Bolsonaro.
Na vida real, a fatia de recursos do orçamento para investimentos foi quase integralmente apropriada pelos aliados do presidente. Sem base parlamentar, o governo Bolsonaro escolheu dar ao Centrão o máximo e se contentar com o mínimo.
Ontem em Santa Filomena, por exemplo, o ministro da Infraestrutura anunciou várias obras no Nordeste. Saudado por Ciro Nogueira como “o ministro que superou de longe o [Mário] Andreazza” – construtor de estradas durante a ditadura —, Tarcísio de Freitas sorria sob um chapéu onde se lia “DNIT”, sigla do departamento federal de rodovias.
O ministro falou de uma futura malha viária nordestina abstraindo a realidade: não há dinheiro para governar abrindo estradas neste ano.
Ele sabe que na segunda-feira 26 de abril, o diretor de Planejamento do DNIT, Luiz Guilherme de Mello, enviou um comunicado aos representantes nos Estados informando que para 2021 restou algo “em torno de um décimo do valor” previsto, ou seja menos de R$ 21 milhões.
Mello sugeriu que reavaliem “a continuidade dos contratos”, porque não será possível “contar com outros recursos senão aqueles inscritos em Restos a Pagar”. E advertiu: “Qualquer outra ação contrária ao disposto não estará autorizada.”
Governador, prefeito ou vereador interessado em obra viária federal na sua região pode visitar o ministro da Infraestrutura e até o presidente em Brasília. É do protocolo e dá direito a fotografia entre as “velas” de Oscar Niemeyer — as colunas curvas da fachada do Palácio do Planalto.
Para conseguir algum dinheiro para obra, no entanto, será preciso visitar o Congresso e conversar com chefes do Centrão. Eles têm até o poder de ressuscitar projetos que enterraram nas gavetas dos ministérios no século passado.