Faltam 21 dias para a mudança de governo. Serão três semanas de suspense político — dias “muito difíceis”, na previsão feita pelo novo ministro da Defesa, José Múcio, na noite de sexta-feira (9) em entrevista à Globonews.
Múcio, 74 anos, foi lacônico de maneira proposital. Sua escolha de palavras está baseada em informações que ele, Lula e Geraldo Alckmin receberam sobre tentativas de tumulto bolsonarista antes e no dia da posse presidencial, 1º de janeiro.
A pedido de Lula, no início da semana Alckmin esteve com representantes do governo dos Estados Unidos.
A conversa, em Brasília, foi sobre o cenário das próximos 21 dias e a possível viagem do ex-presidente Barack Obama como emissário de Joe Biden à posse de Lula. Não está confirmada, mas a simples consulta indica o nível de preocupação da Casa Branca com a estabilidade no Brasil.
O enredo retórico foi pontuado pela palavra “sedição”. Ela acabou revigorada no léxico político americano por causa da invasão do Congresso, em janeiro do ano passado, patrocinada por Donald Trump numa tentativa frustrada de impedir a posse de Joe Biden.
Sinônimo de sublevação, revolta e motim, entre outros substantivos, é crime previsto no código penal dos EUA e do Brasil. Lá é punível com 20 anos de prisão, como demonstraram 12 jurados de um tribunal federal em Washington, dez dias atrás, ao aplicar a pena ao chefe de uma facção de extrema direita, Stewart Rhodes, envolvida na invasão da sede do Congresso.
Alckmin alertou Lula. Com ajuda de Múcio acabaram complementando o quadro de informações sobre iniciativas em andamento com o objetivo de provocar tumulto, se possível, com engajamento de frações militares e policiais aparentemente alinhadas aos derrotados Jair Bolsonaro e seu candidato a vice Walter Braga Netto.
A eleição acabou há 40 dias, mas prossegue a contestação bolsonarista do resultado, com organização de políticos e financiamento de empresários aliados. Estão previstas novas manifestações neste final de semana em Brasília e outras cidades.
Para o novo ministro da Defesa, “as Forças Armadas têm demonstrado que não apoiam qualquer movimento desses [golpistas]”. Reconheceu divisão nos quartéis, durante entrevista à Globonews: “Evidentemente que [todos os militares] têm suas preferências. Se você me dizer que temos três Forças [Armadas], sou capaz de dizer que temos seis Forças. O Exército, a Marinha e a Aeronáutica que gostam de Bolsonaro; e o Exército, a Marinha e a Aeronáutica que gostam de Lula.”
A “questão militar” desenhada por Múcio não é novidade. Deriva, na essência, de uma constante omissão do poder civil sobre o arcaísmo da formação, da estrutura e do profissionalismo na hierarquia das Forças Armadas.
Bolsonaro enxergou uma oportunidade política para aglutinar extremistas e simpatizantes num governo de moldura militarista. O ciclo acabou em fiasco nas urnas. Sobrou uma respeitável, mas difusa, oposição a Lula e ao PT, que Bolsonaro pretende liderar a partir da planície da política, em janeiro.
Na tarde de sexta-feira, acompanhado por Braga Netto, fez um discurso a um grupo de seguidores na frente do Palácio da Alvorada. Foi a primeira vez que falou em pública, desde a derrota eleitoral.
A plateia manteve-se na rotina de reivindicar uma “intervenção” para impedir o governo Lula. Bolsonaro respondeu, usando a força da ambiguidade para incitação: “Nada está perdido. O final, somente com a morte. Quem decide meu futuro, para onde eu vou, são vocês. Quem decide para onde vão as Forças Armadas são vocês (…) Se Deus quiser, tudo dará certo no momento oportuno.”
Como notou o novo ministro da Defesa, depois de 40 dias de silêncio, Bolsonaro atravessou o jardim do Alvorada para deixar suas digitais numa manifestação contra o regime democrático.
“Ele hoje colocou a digital, hoje” — comentou Múcio. “Por enquanto, a gente não podia dizer ‘está por trás’. Não, são os caminhoneiros, donos das empresas de transporte, é o pessoal do agronegócio. Hoje, o presidente falou. Você viu o filmezinho? Ele falando, as pessoas atrás. Isso é uma coisa, realmente, que vai deixar a gente pensando.”