Parece estranho, e é mesmo: a 50 dias das eleições gerais numa das maiores democracias do mundo, deflagra-se um movimento em defesa do regime democrático e do respeito ao voto de 156 milhões de eleitores.
A mobilização que amálgama gente de todos os matizes, de estudantes a banqueiros, pode parecer exótica num país que sepultou a ditadura militar no século passado. No entanto, é realista na razão suprapartidária, resumida num dos manifestos lidos ontem na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e em outras cidades: cristalizou-se a percepção de “perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições”.
O Brasil não é caso isolado no mapa-múndi de recessão democrática, mas atravessou os últimos 40 meses com o debate político centrado na palavra “golpe”. Houve até comício na porta do Quartel-General do Exército, conhecido em Brasília como Forte Apache, com pedidos nostálgicos de tanques nas ruas, Congresso e Judiciário fechados e sob uma versão atualizada do Ato Institucional Número 5 (AI-5), símbolo de uma época não muito distante, marcada pela absoluta anarquia nos quartéis.
É notável que a variedade de manifestos esteja harmonizada na mobilização pela resistência, sem fulanizar. Nos textos não se menciona o nome do político que atravessou os últimos três anos como protagonista do debate sobre “golpe”. Por desnecessário, funcionou como catalisador de organizações com interesses díspares, frequentemente opostos.
Candidato à reeleição, Jair Bolsonaro já produziu mais instabilidade do que a política brasileira consegue digerir. Por isso, a mensagem dos protestos tem endereço certo: Palácio do Planalto, Praça dos Três Poderes – Brasília, DF, CEP 70150-900.