Quando precisava conversar com um adversário com quem não queria ser visto, Antônio Carlos Magalhães, o mais influente político baiano do final do Século XX, recorria a um intermediário.
Com Lula, por exemplo, o mensageiro na maioria das vezes foi José Dirceu, ex-presidente do Partido dos Trabalhadores, que chefiou a casa Civil no primeiro par de anos do governo petista.
ACM Neto, ex-prefeito de Salvador, tenta recuperar o império político familiar perdido para o PT em 2006, e tem se empenhado em seguir o manual não-escrito do avô nas circunstâncias do atual cenário baiano, onde Lula prevalece com cerca de dois terços da preferência dos eleitores.
Não se surpreendeu, por exemplo, com a renúncia do senador Jaques Wagner à disputa pelo governo estadual. Seria o seu principal adversário local, indicam as pesquisas.
Tem se esmerado em não se apresentar como um candidato antiLula. Em reciprocidade, o líder do PT evitou hostilizá-lo na última quarta-feira, em Salvador, ao lançar o substituto de Wagner e o novo adversário de ACM Neto na eleição estadual — o ainda pouco conhecido Jerônimo Rodrigues, ex-secretário de Educação. No comício baiano, Lula passou uma hora falando (mal) de Jair Bolsonaro.
Duas semanas antes, ACM Neto estava no palanque de Bolsonaro, no interior da Bahia. Na sexta-feira se deixou fotografar numa festa ao lado do adversário petista Jerônimo Rodrigues, que fazia gesto simbólico do “L” de Lula com os dedos.
ACM Neto procura passar aos eleitores baianos a imagem do candidato de todos os candidatos — de Lula a Bolsonaro — e, por isso, não tem candidato à presidência da República.
Sendo de todos, e não querendo ser de ninguém, considerou “inadmissível” que seu partido, o recém-nascido União Brasil, tenha candidatura presidencial própria.
Mas surpreendeu os aliados com a veemência no veto a Sergio Moro, horas depois que o ex-juiz da Lava Jato migrou do Podemos para o União Brasil. Ao engrossar as cordas vocais, fragilizou os argumentos.
Há quem veja em Moro, neófito em política, um maluco com um sonho presidencial na cabeça. É possível, mas é inegável que ele se ampara numa fatia significativa (pouco mais de 6%) do eleitorado nacional, segundo diferentes pesquisas. Não é por acaso que há sete meses aparece em terceiro lugar nas intenções de voto, empatado com Ciro Gomes, do PDT.
Ele acreditou numa conversa sobre estrutura, equipe e de financiamento de campanha com o presidente e controlador do caixa (R$ 1 bilhão) do União Brasil, Luciano Bivar. Ambos acabaram atropelados por ACM Neto, sócio minoritário de Bivar no partido, apoiado por Ronaldo Caiado, governador de Goiás e aliado de Bolsonaro.
No espaço de 48 horas, entre sexta e sábado, Moro se viu triturado por ACM Neto e Caiado, para alegria das torcidas de Lula, de Bolsonaro e da gama de desafetos que cultivou na Lava Jato. Candidato à presidência viu-se reduzido a uma vaga na lista de candidaturas do União Brasil a deputado federal em São Paulo. Eventualmente, para o Senado.
O caso Moro é novo exemplo de como os partidos, nesta temporada eleitoral, estão mais preocupados em garantir bancadas legislativas, principalmente na Câmara, do que sustentar candidaturas à presidência.
Foi assim na negociação de Valdemar Costa Neto com Bolsonaro. Tem sido assim, em menor proporção, na partilha de recursos do PT com Lula. Está na origem das dificuldades de Simone Tebet com o MDB e agrava os problemas de João Dória no PSDB.
Uma campanha presidencial consome, na média, cerca de um terço do fundo eleitoral de cada partido — no total são R$ 4,9 bilhões para divisão entre 35 organizações, na proporção das respectivas bancadas na Câmara.
No União Brasil a partilha já estava feita quando Moro chegou, na sexta-feira. ACM Neto e Caiado não aceitaram redividir o bolo por entenderem que a candidatura do ex-juiz era um capricho de Bivar, seduzido pela ideia de ser vice-presidente em qualquer acordo partidário.
ACM Neto anteviu problemas ao seu projeto baiano: deixaria de ser o candidato baiano de todos, sem querer precisar ser de ninguém; perderia parte das alianças que costurou, sob essa premissa, e ainda enfrentaria restrições no financiamento da campanha local dos candidatos a deputado com os quais se comprometera.
Problemas assim fazem parte da paisagem eleitoral, e costumam ser resolvidos na alfaiataria da política, onde se bordam, tricotam e se costuram acordos — alguns em segredo.
Notável, no caso, foi a estridência no veto de ACM Neto à candidatura presidencial de Moro. Ela sinaliza uma crise relevante no União Brasil, cada vez mais mais partido e mais desunido. Por R$ 1 bilhão de motivos.