Costumo ter dificuldade em pegar no sono, mas descobri um remédio que é tiro e queda: com uma dose de Westworld, durmo fácil e rápido no domingo à noite. No primeiro episódio, fui em hipnose até o momento em que Rodrigo Santoro apareceu em cena como um caubói homicida e debochado e me sacudiu da minha sonolência. Fiquei animada; achei que poderia contar com Rodrigo para me acordar semanalmente. Mas ele sumiu da história até a metade do quarto capítulo (e, sim, na volta me deixou bem alerta, em especial durante uma cena matadora com Thandie Newton). No segundo episódio, tive que me estapear a intervalos regulares de cinco minutos para manter os olhos abertos. No terceiro, meu entorpecimento atingiu aqueles níveis descritos por vítimas de hipotermia: fui perdendo a capacidade de reagir, e depois a de formar pensamentos conexos, até cair numa paz impenetrável. Dizem que ser tirado de um transe hipotérmico é um choque; você quer se abandonar a ele. Pois experimentei novamente essa sensação no quarto episódio: até a hora em que Rodrigo reapareceu, minha vontade era me aninhar no sofá e esquecer de mim mesma. Ando procupada. Será que Westworld causa dependência, como os medicamentos tarja preta para insones?
Vamos convir que esse é um indutor de sono luxuoso, produzido ao custo de centenas de milhares de dólares por episódio. Todo domingo, sou embalada por atores como Jeffrey Wright, Evan Rachel Wood, Anthony Hopkins, Ed Harris e James Marsden. Pus um palito na pálpebra para impedi-la de fechar e assim pude reconhecer Luke Hemsworth, o irmão mais velho de Chris e Liam, no papel de um ranger do parque temático. Gosto muito de Jimmi Simpson, de Zodíaco e House of Cards, que faz um visitante relutante a esse mundo cibertrônico. Simpson tem sido uma xícara de café forte: me sinto desperta quando ele está em cena, porque tenho vontade de acompanhar a história dele. Não é fácil, porém, porque Westworld sofre de dois problemas curiosos, que em teoria seriam mutuamente excludentes. A série ao mesmo tempo repete (e repete, e repete) enredos, e os pega e larga a esmo.
Ainda há seis episódios pela frente, por exemplo, e já não aguento mais ver a “anfitriã” (é como são chamados os robôs do parque) Dolores (Evan Rachel Wood) abrir os olhos de manhã, ir para a cidade, deixar rolar uma lata de leite pelo chão, fazer isso ou aquilo e depois ir para mais uma sessão com o doutor Bernard (Jeffrey Wright), durante a qual podemos observar a perfeição técnica com que ela passa pelos diversos estados de consciência dos robôs (análise, diagnóstico, online etc.). Anthony Hopkins dá as caras de vez em quando como Robert Ford, o co-criador e deus-residente do parque, para dizer platitudes com ar de desencanto. No terceiro episódio fizeram ele dar umas voltas pelo deserto e encontrar um menino. Mais platitudes. No quarto episódio, um alento: a gerentona interpreta pela dinamarquesa Sidse Babett Knudsen, que está sempre brava com alguém por um motivo ou outro, foi se encontrar com Ford, e rolou uma cena muito intrigante. Pena que foi bem curta.
Ed Harris entra e sai da história cometendo maldades com ar sádico: pelo que se sabe até o momento, ele é um visitante habitual do parque que acredita haver um nível profundo do jogo, no qual as regras deixam de valer – especialmente, presumo, a regra que impede os robôs de causar qualquer dano real aos seres humanos. James Marsden é um robô-cara legal, que por isso mesmo apanha muito de todo mundo. O robô-cafetina interpretado por Thandie Newton está dando defeito, assim como dezenas de outros “anfitriões”. E daí por diante: com cerca de 200 atores nos créditos, Westworld tem uma infinidade de personagens, mas não sabe o que fazer nem com a dúzia principal deles.
É verdade que Westworld é uma série cheia de ideias perspicazes: fala do desejo de fuga, dos estereótipos sobre os quais se articula a imaginação americana (ou a de qualquer plateia de cinema e séries), da crueldade e indiferença de que somos capazes no trato com criaturas que julgamos inferiores ou sub-humanas – a clientela do parque paga caro, basicamente, para poder perpetrar atos impensáveis contra robôs em tudo idênticos a seres humanos. Westworld especula, também, sobre as fronteiras que, transpostas, podem anular a distinção entre inteligência humana e artificial: se um robô parece humano, se crê humano, pensa e sente como humano e produz incoerências tipicamente humanas, não seria ele então tão humano quanto qualquer freguês do parque?
A ideia maior de todas, que parece estar no centro da série: o que vai acontecer se essas criaturas desenvolverem algum tipo de memória e tomarem consciência de si mesmas – e, portanto, se aperceberem do jugo a que estão submetidas? Já está rolando: Thandie Newton tem visões de seres estranhos, que na verdade são os técnicos que todos os dias reparam os ferimentos e mutilações sofridos pelos robôs para devolvê-los novos em folha aos seus “enredos” (o loop narrativo em que cada um deles vive). Rodrigo Santoro oferece a ela uma explicação mística. E a consequência lógica dessa explicação é o mais absoluto niilismo. Nenhum limite ou moral importa, porque nenhuma redenção é possível: eles estão nas mãos de deuses cruéis e destrutivos.
É um prato cheio. Bem mais cheio do que no romance original de Michael Chrichton e do que em Westworld – Onde Ninguém Tem Alma, o filme de 1973 com Yul Brynner. Cheio demais, talvez. Parece que os criadores Jonathan Nolan, J.J. Abrams e Lisa Joy têm o olho maior que a barriga. Só no quarto episódio eles tiveram algum êxito em transmitir a sensação de que estão fazendo o enredo avançar. E, se o enredo não avança e o espectador não se envolve emocionalmente com os personagens, não há adianta ter grandes ideias. Ou Westworld passa por um choque dramatúrgico, ou vai ficar debatendo sozinha. Por enquanto, vou continuar me agarrando a Rodrigo Santoro e Thandie Newton, que têm feito coisas incríveis com o pouco que deram a eles. Conto com eles para me manter acordada e, quem sabe, ver Westworld sair do seu sonambulismo.