Não se sabe o que veio antes, se o vírus que dizimou boa parte da humanidade ou se os bebês híbridos — recém-nascidos que combinam o genoma humano ao de leão, águia, porco-espinho, cão, coelho ou outra qualquer possibilidade do reino animal. Na dúvida sobre o que é causa e o que é efeito, os híbridos passaram a ser primeiro rejeitados, depois odiados e por fim caçados sem piedade. Mas um deles ganhou a chance de prosperar em toda a sua inteligência, graça e generosidade: Gus (Christian Convery), que nasceu com a galhada, as orelhas sedosas e o olfato e a audição apurados de um veado e o gosto por doces de qualquer criança — daí seu apelido, “Sweet Tooth” (em tradução livre, “Formiguinha”), que dá nome à série da Netflix que é uma grata surpresa na maneira como, sem nunca perder o encanto, dosa o fantasioso e o excêntrico com o real e o possível, e na forma como equilibra suas preocupações ecológicas com seu comentário sobre sectarismo e segregação e sobre o uso do medo como ferramenta política.
Adaptada de um quadrinho do canadense Jeff Lemire e produzida, entre outros, pelo casal Susan Downey e Robert Downey Jr., Sweet Tooth (Estados Unidos, 2021) mostra como Gus foi criado pelo pai, Richard (Will Forte), no meio de uma floresta, longe dos “homens maus”. O mundo, porém, um dia chega até ele, e o menino tem de partir na companhia relutante de “Big Man” (Nonso Anozie). À medida que sua saga prossegue, as tramas dos outros personagens se vão entretecendo de forma mais decidida a ela: os dilemas do médico Aditya (Adeel Akhtar), a amargura da jovem líder de uma facção pró-híbridos (Stefania LaVie Owen), o idealismo de Aimee (Dania Ramirez), que secretamente abriga crianças como Gus. O quadrinho de Lemire é de 2013, mas a adaptação ganha ressonância adicional e novas ênfases na pandemia — que não impediu o projeto graças à filmagem na ultrarrigorosa Nova Zelândia.
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O elenco é, sem exceção, primoroso — incluindo-se a narração de James Brolin —, e a produção acerta o tom seja qual for a ambientação, criando um mundo vívido entre os contos de fadas, as distopias modernas e as fábulas de Wes Anderson. Sem condescender com as crianças e provocadora para os adultos, Sweet Tooth é em si própria um exemplo de diversificação genética bem-sucedida — e um deleite.
Publicado em VEJA de 9 de junho de 2021, edição nº 2741
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