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No Oscar 2022, até as surpresas são previsíveis

Da enxurrada de indicações de 'Ataque dos Cães' à melosa escolha musical de 'Encanto', a Academia mais uma vez se supera na sagração do óbvio

Por Isabela Boscov
Atualizado em 8 fev 2022, 15h05 - Publicado em 8 fev 2022, 14h08
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  • Que Ataque dos Cães (doze indicações) viria na dianteira e Duna (dez) seguiria nos seus calcanhares, já se sabia. Estava meio que decidido, também, que Will Smith voltaria ao páreo depois de doze anos por King Richard, e que Denzel Washington seria destacado por A Tragédia de Macbeth enquanto o filme propriamente dito meio que seria esnobado (a dúvida é se desta vez Denzel conseguirá disfarçar a contrariedade no caso de o favorito Benedict Cumberbatch ser mesmo chamado ao palco). Nos últimos dias, os cálculos dos especialistas também davam como certo que Penélope Cruz reunira o impulso necessário para uma vaga na categoria de melhor atriz pelo Mães Paralelas de Pedro Almodóvar, e que a Kristen Stewart de Spencer, surpreendentemente deixada de fora da disputa do Sindicato dos Atores, agora veria a injustiça corrigida (para azar de Lady Gaga, que, sim, é a melhor coisa de Casa Gucci mas não, de fato não mereceria estar entre as concorrentes). Na verdade, praticamente não há indicação – ou falta dela – em qualquer categoria que constitua imprevisto. Até a ausência (chocante) do Denis Villeneuve de Duna entre os competidores ao prêmio de direção e a (merecidíssima) presença de Ryuzuki Hamaguchi e seu Drive My Car na lista são o tipo de espanto em que que a Academia é regular como um relógio: exaltar o filme enquanto dá as costas para o diretor é uma espécie de tradição – e, embora seja mais recente, também já está estabelecida a prática de correr atrás do título consagrado no circuito premium de festivais para não passar vexame.

    Ou seja: uma absoluta falta de surpresas, ruins ou boas, é tudo que a Academia conseguiu proporcionar com sua chamada para a 94ª edição do Oscar. Se isso dá a ela a sensação de segurança, avise-se que ela provavelmente é ilusória. Há um grande elenco de motivos para apreensão – começando, e apenas começando, pela audiência pífia da cerimônia do ano passado, por larga margem a mais baixa de toda a história de transmissões do Oscar (qualquer episódio de Yellowstone dá mais do que os 10 milhões de espectadores que a acompanharam nos Estados Unidos).

    Não só as restrições impostas à festa pela pandemia foram as responsáveis pelo fiasco: o desinteresse do público vem rondando o Oscar cada vez de mais perto. Ele pouco significa, por exemplo, para os millennials e a geração Z, porque eles são naturalmente avessos a tudo o que é institucional ou estatutário e porque suas preferências quase nunca são contempladas. A indicação regulamentar na categoria de efeitos especiais para Homem-Aranha: Sem Volta para Casa, que com seu 1,8 bilhão de dólares de arrecadação salvou a bilheteria de 2021 do desmonte completo, não resolve nada para essa parte – imensa, diga-se – da plateia, e o fato de que a Academia ao que parece nem notou a existência de favoritos cult do último ano, como Pig e A Lenda do Cavaleiro Verde, ajuda menos ainda.

    Faz mais de uma década que essa sensação de desconexão com o público, e não só o mais jovem, se tornou gritante, mas os 22 meses de pandemia a agravaram até um ponto que se anuncia sem retorno. As redes sociais, hoje, permitem “eleições” de prediletos grupo a grupo, nicho a nicho, e sua influência se sobrepôs à das premiações tradicionais – que, de resto, sofreram um baque com a desgraça em que caiu o Globo de Ouro, num efeito que respinga sobre a credibilidade de todas elas. Nesse período, também, o streaming se cimentou como a opção primeira de boa parte da plateia, contribuindo para esvaziar a experiência coletiva da sala de cinema – um componente essencial do entusiasmo em torno de um título – e borrando a distinção entre filme e série para muitos espectadores (“por que a Academia não premia séries?” é uma das perguntas frequentes que esta redatora recebe, em um atestado de que o público sente que competição nesses termos é marmelada). Prova da força do streaming é que, desde que a animação Encanto ficou disponível gratuitamente para os assinantes da Disney+, há pouco, a canção We Don’t Talk About Bruno estourou em popularidade e virou um fenômeno que nem a própria Disney sabe explicar. O Oscar, claro, perdeu o bonde: foi na média, que é onde ele se sente confortável, e indicou a muito mais convencional e melosa Dos Oruguitas.

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