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“Mistérios Sem Solução”, da Netflix: num instante, a vida de ponta-cabeça

Nova leva de seis episódios da série clássica da TV americana seduz pelos enigmas, mas impressiona pelo impacto dos casos em quem convive com eles

Por Isabela Boscov 1 ago 2020, 17h17
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  • Começar pelo episódio Mistério no Telhado foi a melhor decisão possível dos produtores desta antologia: a história do desaparecimento de Rey Rivera, um recém-casado de 34 anos que se mudara com mulher para Baltimore para trabalhar com um amigo no mercado financeiro, é tão enigmática e cheia de eventos inexplicáveis que, não por acaso, virou mania no Reddit, onde dezenas de teorias vêm sendo tecidas. É improvável que alguma delas já não tenha ocorrido aos investigadores do caso ou à viúva de Rey, que desde de 2006 procura sem parar por uma pista que esclareça por que ele saiu correndo de casa naquela noite, de chinelos, e nunca mais foi visto, até que… Não vou falar o quê; digo apenas que também eu não paro de pensar em hipóteses que deem conta da descoberta estranhíssima que foi feita alguns dias depois do sumiço dele e que, em vez de jogar luz sobre os acontecimentos, embaralhou tudo de vez. Mistérios Sem Solução é um programa antigo e clássico da TV americana: criado em 1987, já teve mais de 500 episódios em encarnações diversas. Sobrevive muito bem nesta nova leva de casos feita para a Netflix (mais uma leva deve estrear até o final do ano) porque a crônica policial é farta em pendências nunca solucionadas, e porque o programa trata delas com perícia: muita pesquisa para levantar novas evidências e localizar testemunhas ou envolvidos, entrevistas muito bem conduzidas e bem editadas, visitas cuidadosas aos locais de interesse para cada caso e apuro nas eventuais reconstituições – nada com aquela cara meio brega de reconstituição do History. O verdadeiro impacto de Mistérios Sem Solução, entretanto, vem de outro elemento: da perplexidade e incredulidade dos familiares e amigos, do desconsolo, da sensação terrível que, de um minuto para o outro, a vida que ia caminhando pode parar abruptamente e ficar para sempre em suspenso; sem respostas, os afetados pelos mistérios não conseguem seguir em frente – e os produtores da série fazem excelente trabalho de ir desdobrando as etapas que essas pessoas atravessam, desde o momento em que começam a imaginar o pior até a constatação de que ele aconteceu e, então, a convivência interminável com a dúvida e a ausência.

    Mistérios Sem Solução
    Mistérios Sem Solução/Mistério no Telhado (- Netflix/Divulgação)

    Depois do caso de Rey Rivera, porém, fica difícil manter o mesmo nível de charada. O interesse, entretanto, permanece. Casa do Terror, sobre a maneira repentina como o conde Xavier Dupont de Ligonnés, sua mulher e os quatro filhos deixaram sua casa na cidade francesa de Nantes, chega perto – e a parte do mistério que foi de fato solucionada é de um horror indescritível. Treze Minutos é de partir o coração e também de deixar um mal-estar duradouro: há algo de muito perverso, ou pervertido, no ódio do padrasto Rob Endres por seu enteado Pistol Black, que tinha 16 anos quando sua mãe, cabeleireira de uma cidadezinha, deixou o almoço esquentando no salão e como que desapareceu da face da Terra. Já Sem Carona causa outro tipo de tristeza: está na cara que só não se conhece a identidade dos responsáveis pelo que se passou com o rapaz Alonzo Brooks porque a polícia local os acobertou. Da mesma forma, o enigma de Testemunha Desaparecida está tão-somente no paradeiro da personagem central – e, para os mais crentes nos bons anjos da natureza humana, na constatação de que ela pode ser um abismo sem fundo.

    Mistérios Sem Solução
    Mistérios Sem Solução/Casa do Terror (- Netflix/Divulgação)

    A parte mais duvidosa do formato clássico de Mistérios Sem Solução é a inclusão de casos paranormais e de ufologia. O peixe fora d’água nesta leva de episódios é Óvni de Berkshire, que, como anuncia o título, sai do circuito policial para adentrar um território mais controvertido. O caso ocorrido em 1º de setembro de 1969 numa região do estado de Massachusetts é de fato impressionante pela quantidade de testemunhas – crianças, adolescentes, adultos, gente sem relação entre si, que não se conhecia e que estava em pontos distantes do condado –, pela minúcia dos relatos e pela consistência entre eles. Ganha respaldo, também, pelas imagens recentes de artefatos não-identificados feitas por pilotos da Força Aérea que o governo americano vem liberando. Mas, para os céticos, fica sempre aquele não-sei-o-quê no ar. De mais a mais, os cinco outros episódios comprovam que, sozinhos, os terráqueos já são capazes do inexplicável em quantidade mais do que suficiente.

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