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Isabela Boscov

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Logan

É terrível, e lindíssima, a decadência de Wolverine

Por Isabela Boscov Atualizado em 2 mar 2017, 17h22 - Publicado em 2 mar 2017, 16h17
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  • Desde a primeira cena em que apareceu, em 2000, mascando um charuto e acudindo Vampira numa estrada gelada, o Wolverine de Hugh Jackman foi o superstar dos X-Men: Jackman, um ator australiano que então quase ninguém conhecia, cravou os dentes (ou as garras) no personagem e não largou mais. Em sete encarnações diferentes, ele colocou todo seu timing cômico, expressão física, vigor, nuance dramática e imenso carisma a serviço de Wolverine, e fez dele o mais irresistível cachorro louco de que se tem notícia. Tão cativante é o seu Wolverine que ele resistiu na afeição do público, incólume, a um filme-solo muito ruim (X-Men Origens: Wolverine, de 2009), e um outro apenas correto (Wolverine: Imortal, de 2013). Em Logan, porém, a história é outra – e como é boa. De novo trabalhando com o diretor e roteirista James Mangold, Jackman é o herói no seu crepúsculo, cansado de guerra e diminuído pela decadência física. Logan, o homem que ele foi um dia e que agora é de novo, detesta a si mesmo pela violência e pela ferocidade, e a última coisa que desejaria é deixar alguma descendência. Mas ela aparece (como?), na figura de Laura, uma mutante de 11 anos parecida com ele, porém ainda mais selvagem. Intensamente violento e profundamente triste, Logan, a oitava e última encarnação de Wolverine, traz aquilo que Jackman ainda não pudera explorar no personagem – sua tragédia. É possivelmente o melhor de todos os filmes dos X-Men. É, enfim, um belíssimo filme. Seja de super-herói ou não.

    Logan
    (Divulgação)

    Leia a seguir a resenha completa:


    A HORA DO ADEUS

    Envelhecido, cansado de violência e sem vontade de viver, Wolverine é o centro trágico de Logan, um drama que só por acaso é também um filme de super-herói

    O cabelo e a barba cheios de fios brancos, o rosto vincado, as olheiras arroxeadas, a respiração ofegante, o andar trôpego: este não é o Wolverine das sete aparições anteriores do personagem no cinema. Ameaçado por uma gangue que tenta roubar as rodas da limusine com a qual ele ganha a vida na texana El Paso, na fronteira com o México, Wolverine toma socos e cambaleia. Com dificuldade, faz as garras letais de adamantium projetar-se por entre os dedos. Mas elas nem saem mais em toda a sua extensão. As articulações de Wolverine estão inflamadas, e uma tosse seca interrompe os seus esforços. Expulsar da carne as balas que os inimigos disparam contra ele, antes tão fácil, agora é um sofrimento. O próprio adamantium, o metal indestrutível que substituiu seus ossos, o está intoxicando. Mais venenoso ainda é o cansaço de Wolverine com a vida. Depois de 180 anos sobre a Terra, o mutante de vigor inesgotável, ferocidade mal e mal controlável e capacidade de se curar de qualquer ferimento é uma sombra do que foi, e quer entregar os pontos. Até já planejou o modo como o fará, e só não o fez ainda porque ele e o albino Caliban (Stephen Merchant) têm sob seus cuidados outro mutante, ainda mais frágil do que eles: o professor Xavier (Patrick Stewart), cujo cérebro poderoso está sob ataque da demência. É tristíssimo o crepúsculo dos mutantes em Logan – triste como toda doença, velhice e degeneração humanas. Da decrepitude e da necessidade de vencê-la mais uma vez que seja, o diretor e roteirista James Mangold tira uma tragédia pungente, à qual Hugh Jackman se entrega por inteiro. Até notícia em contrário, esta é a sua despedida do personagem. E ele a faz valer a pena.

    Logan
    (Ben Rothstein/Divulgação)
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    Logan é o nome verdadeiro de Wolverine, o que ele tinha antes de sua mutação se manifestar por completo, durante a carnificina da Guerra Civil americana de 1861-1865. É o nome do filme, também, porque as glórias de Wolverine estão diminuídas ao ponto de quase não passarem de lembrança. E porque, contemplando a possibilidade do fim, ele tem de acertar contas com o homem que há dentro dele. Não será um processo simples; a trajetória de Logan/Wolverine é de uma violência indizível, e ele não está desejoso de um reencontro consigo mesmo.

    Logan
    (Divulgação)

    Está-se em 2029, mas pouca coisa anuncia o futuro na paisagem concebida por Mangold e Jackman. A única mudança relevante é a ausência de mutantes; quase todos que havia  pereceram num acidente provocado pela demência de Xavier, e há mais de vinte anos não se tem notícia de um novo nascimento. Logan acha, portanto, que Xavier delira quando lhe diz que está em comunicação telepática com uma menina portadora do gene X. Mas ela existe de fato: Laura (a impressionante Dafne Keen), de 11 anos, tem o esqueleto e as lâminas de adamantium de Wolverine, e o mesmo poder de cura. Não fala e, quando acuada, exibe uma selvageria inocente de si mesma, mas cujo rastro de corpos e mutilações é assustadoramente real. Laura é uma criança que precisa com urgência de limites – e de salvação. Logan, Caliban e Xavier são sua última chance contra o exército particular que a persegue (e cujos financiadores permanecem durante bom tempo um mistério). Mas a fuga árdua, prolongada, repleta de sangue, não faz muito por promover os afetos familiares ou reconciliar Logan com a ideia de paternidade, que o repugna e o consome em igual medida.

    Logan
    (Divulgação)
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    Mangold e Jackman já trabalharam outra duas vezes juntos antes de Logan (na comédia romântica Kate & Leopold e em Wolverine: Imortal), e aqui a parceria chega à fruição plena. De maneira explícita, Logan traça um paralelo com Os Brutos Também Amam, de 1953, em que um pistoleiro tenta reconstruir a vida na paz, perto de um menino que o idolatra (Xavier e Laura assistem ao filme juntos na TV). E de maneira implícita, mas nítida, ele referencia Os Imperdoáveis, de 1992. No western revisionista que deu os Oscar de filme e direção a Clint Eastwood, o protagonista é um matador que sai de uma aposentadoria tão miserável quanto a de Wolverine para um último trabalho. A causa é justa, até necessária, mas o veneno de matar tem o gosto de sempre – intolerável. Só na definição mais circunstancial Logan pode ser chamado de um filme de super-herói. O que diretor e ator fazem, aqui, é lançar seu herói entre as tragédias humanas das quais não se pode escapar: o ocaso, a mortalidade e a constatação tardia de que, mesmo quando a vida é longa, tanta coisa pode faltar a ela.

    Isabela Boscov
    Publicado originalmente na revista VEJA no dia 01/03/2017
    Republicado sob autorização de Abril Comunicações S.A
    © Abril Comunicações S.A., 2017

    Trailer

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    LOGAN
    (Estados Unidos, 2017)
    Direção: James Mangold
    Com Hugh Jackman, Dafne Keen, Patrick Stewart, Boyd Holbrook, Stephen Merchant, Elizabeth Rodriguez, Richard E. Grant, Eriq La Salle, Elise Neal
    Distribuição: Fox

     

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