Um dos melhores trabalhos de Anton Yelchin
Que lástima a morte de Anton Yelchin, aos 27 anos, prensado por seu próprio carro contra uma parede, na manhã do domingo 19 de junho. Conhecido como o jovem Chekov de Star Trek, nascido em São Petersburgo (então Leningrado) em 1989 e criado nos Estados Unidos desde os seis meses de idade – sua família foi da primeiríssima leva a emigrar depois do colapso da União Soviética –, Yelchin tinha já uma longa carreira, com mais de quarenta créditos (isso sem contar os curta-metragens, que ele adorava fazer). Começou aos 10 anos, em um episódio de E.R., e no ano seguinte estreou no cinema com o melancólico e muito bonitinho Lembranças de um Verão, no qual ele e Mika Boreem dão um banho em Anthony Hopkins. Yelchin foi um caso raro: um ótimo ator mirim que não só continuou pela vida adulta sem perder o passo, como teve uma fase excelente também na adolescência. Tinha 17 anos quando fez um de seus melhores trabalhos, Alpha Dog, que está disponível no Netflix e no qual sua presença doce como um garoto sequestrado é indispensável para que o filme bata tão forte quanto tem de bater.
Gosto muito de Yelchin também em O Estranho Thomas, A Hora do Espanto, Charlie – Um Grande Garoto, Sonhos à Deriva – na verdade, gosto muito dele em quase tudo que vi e provavelmente gostarei do que ainda falta ver, como O Mistério de Stella, Experimentos e o elogiadíssimo Sala Verde. Yelchin, além disso, deixou vários trabalhos prontos: o mistério/ficção Rememory, o drama We Don’t Belong Here, o romance Porto, o thriller Thoroughbred e, claro, o novo Star Trek: Sem Fronteiras, que estreia em 21 de julho. Vai ser muito triste quando essa lista acabar e não houver mais Anton para ver.
Leia a seguir a resenha que publiquei quando Alpha Dog foi lançado no cinema:
Tumulto no paraíso
O angustiante Alpha Dog, sobre o caso real de cinco garotões que seqüestraram um adolescente
Alpha Dog é um filme feito tão a quente que acabou virando objeto de contenda no processo criminal do qual trata: o seqüestro de Nicholas Markowitz, de 15 anos. Markowitz era um menino muito bem-criado e protegido pelos pais – em especial pela mãe, que queria a todo custo evitar que ele seguisse pelo mesmo caminho que seu meio-irmão. Ben Markowitz, de 21 anos, vivia de pequenos crimes, era viciado em drogas e tinha um temperamento explosivo. Em 2000, um dos negócios de Ben deu errado e ele ficou com uma dívida de 1.200 dólares para com o autoproclamado chefe da gangue local, Jesse James Hollywood – o “líder da matilha” a que se refere o título. A dívida virou rixa: em vez de abaixar a cabeça, Ben ameaçou Jesse James; e este, para não perder seu status e mostrar quem mandava ali, seqüestrou Nicholas. Isso não aconteceu num gueto de uma metrópole, mas numa dessas cidades ricas e confortáveis do sul da Califórnia. Os planejadores e executores do crime também não eram jovens desprivilegiados: eram garotões que moravam em casas com piscina e tinham acesso a bons advogados. Foi assim, num telefonema a seu advogado, que Jesse James descobriu que, caso fossem indiciados pelo seqüestro de Nicholas, ele e seus parceiros provavelmente pegariam a pena perpétua. Durante os três dias em que esteve em posse da gangue de Jesse James, Nicholas afirmou diversas vezes que não denunciaria nenhum deles. Primeiro, porque não queria piorar as coisas para seu irmão – e até o fim acreditou que ele viria resgatá-lo. Depois, porque estava se divertindo a valer. Em casa, Nicholas não podia fazer nada. Com seus seqüestradores, a rotina era uma balada só. Todo mundo gostava de Nicholas, e Nicholas gostava de todo mundo, mas isso não foi o suficiente para garantir sua segurança e evitar um desfecho trágico para o caso.
Quando o diretor Nick Cassavetes começou a rodar essa história, quatro dos cinco envolvidos no crime já haviam sido julgados e condenados. Só Jesse James continuava foragido. Cassavetes complementou os registros com sua própria investigação e gravou entrevistas com os criminosos, as famílias, os advogados e várias das quase quarenta testemunhas do caso. Prestes a concluir a filmagem, em março de 2005, recebeu uma notícia surpreendente: Jesse James fora capturado em Saquarema, no Brasil, e deportado. O processo estava sendo reaberto, portanto. Imediatamente, o trabalho de Cassavetes virou peça tanto da acusação quanto da defesa, já que ambas as partes haviam cedido material confidencial ao diretor e a seu investigador particular, Michael Mehas. Os dois foram intimados numerosas vezes, e em diversas ocasiões tentou-se barrar legalmente a exibição do filme, uma vez que Jesse James ainda aguarda julgamento. Nenhum dos recursos vingou – em boa parte porque, para reduzir as inevitáveis complicações legais, Cassavetes desde o início optou por mudar o nome de todos os personagens da história e das localidades em que ela se passou.
A tensão e a fricção adicionais causadas pela captura de Jesse James deram sérias dores de cabeça a Cassavetes e Mehas, mas, chegando como chegaram, antes que o filme estivesse pronto, foram altamente benéficas a ele. Alpha Dog não é uma mera encenação dos autos do caso: é o fruto da obstinação do diretor em descobrir o que realmente se passou naqueles dias de 2000 – e em entender como um punhado de jovens que usavam a violência como pose passou, de um instante para o outro, à violência real. As duas gerações de seu elenco se imbuíram igualmente dessa missão. De um lado, Sharon Stone tem alguns grandes momentos como a mãe do rapaz seqüestrado; de outro, jovens atores como Emile Hirsch, Ben Foster e Anton Yelchin oferecem interpretações sólidas, sem recurso a estereótipos. O popstar Justin Timberlake, em especial, é uma surpresa: no papel do rapaz tolo, mas tranqüilo e amigável, que toma conta do seqüestrado, ele demonstra mais inspiração e nuances do que em toda a sua carreira musical até aqui. Por causa dessa sintonia, Alpha Dog transpira continuamente a sensação de que se está falando de algo muito íntimo e conflituoso, e também desesperador: os cinco envolvidos no crime estavam longe de ser cidadãos-modelo, mas pareciam também igualmente distantes de uma decisão tão horrenda quanto a que tomaram em 9 de agosto de 2000 – e que, por permanecer todo o tempo a um passo de ser evitada, agrava cada vez mais a agonia que é vê-la se desenrolar.
Isabela Boscov
Publicado originalmente na revista VEJA no dia 16/05/2007
Republicado sob autorização de Abril Comunicações S.A
Continua após a publicidade
© Abril Comunicações S.A., 2007
ALPHA DOG
Estados Unidos, 2006
Direção: John Cassavetes
Com Anton Yelchin, Ben Foster, Emile Hirsch, Justin Timberlake, Sharon Stone, Bruce Willis,Olivia Wilde, Harry Dean Stanton, Shawn Hatosy, Amanda Seyfried, Amber Heard, Dominique Swain, Vincent Kartheiser, Lukas Haas