Em um trem com mais de mil vagões que circunda sem parar a Terra congelada, as pessoas que sobreviveram à nova glaciação perpetuam a humanidade – e tudo que ela criou de pior: a tirania, a desigualdade, a opressão, o privilégio e a injustiça.
Nos vagões de trás, vivem as massas esquálidas. Nos da frente, a classe dominante. Mas, fora as tropas de choque e Mason (Tilda Swinton, esquisitíssima, ou mais ainda que o habitual), o governador/governadora desse estranho Estado, ninguém pode circular entre vagões. Nessa humanidade microcósmica, origem é destino: morre-se onde e como se viveu. E esse poder, o de tudo determinar, que Curtis (Chris Evans) quer arrancar da ditadura que Mason representa.
Visualmente, são fabulosas as oportunidades que essa adaptação de uma graphic novel dá ao diretor Joon-ho Bong. Expresso do Amanhã é cinema experimental de altíssima complexidade. Mas, do ponto de vista da narrativa, ainda prefiro o trabalho “nativo” de Bong e dos seus conterrâneos (como Chan-wook Park e Jeen-woon Kim, que também fizeram filmes em inglês recentemente): um dos aspectos mais sensacionais da vanguarda sul-coreana é a audácia e a perícia com que ela faz transições abruptas de gênero ou de clima, sempre pegando o espectador (o espectador ocidental, ao menos) despreparado. Pela sua própria progressão geográfica – o grupo de revoltosos só pode se mover numa mesma direção, sempre à frente –, Expresso do Amanhã limita essa vocação dos sul-coreanos.
O que não altera o fato de que o cinema que eles fazem é das coisas mais surpreendentes e exuberantes que há por aí – e que, dentre tantos talentos, Joon-ho Bong é ainda o mais extraordinário deles todos.
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Expresso do Amanhã (Snowpiercer) Coreia do Sul/Estados Unidos/França/República Tcheca, 2013 Direção: Joon-ho Bong Com Chris Evans, John Hurt, Tilda Swinton, Kang-ho Song, Jamie Bell, Octavia Spencer, Ed Harris Distribuição: PlayArte |