Às vezes, o exotismo é o que basta para que uma cinematografia estoure no circuito dos festivais e salas de arte. Foi assim que a célebre “quinta geração” do cinema chinês entrou no mapa, com o Terra Amarela (1984) de Chen Kaige e o Sorgo Vermelho (1988) de Zhang Yimou e que primeiro chamaram atenção diretores iranianos como Abbas Kiarostami (Onde Fica a Casa do Meu Amigo?, 1987), Jafar Panahi (O Balão Branco, 1995) e Mohsen Makhmalbaf (Gabbeh, 1996). No caso das ex-repúblicas soviéticas da Ásia Central, porém, o problema talvez seja o oposto — um olhar estrangeiro demais. Títulos cazaques, tadjiques, quirguizes, turcomenos ou uzbeques são por aqui coisa de outro mundo. Agora um filme do Azerbaijão, país de 10 milhões de habitantes da Eurásia, tem sua chance — e, apesar do nome de chanchada, De Quem É o Sutiã? (The Bra, Azerbaijão/Alemanha, 2018), já em cartaz no país, é um exemplar encantador da singeleza que vez ou outra faz essas produções atravessar fronteiras.
Rodada pelo alemão Veit Helmer nos arrabaldes da capital, Baku, a história — sem nenhum diálogo — trata de Nurlan (Pedrag Manojlovic), maquinista de um trem de carga que passa quase encostado às casas de um bairro pobre, fazendo com que os moradores corram a recolher cadeiras, varais e crianças dos trilhos. Nurlan, já de certa idade e muito solitário, sempre devolve os objetos que se enroscam na locomotiva. No dia de sua aposentadoria, ele encontra nela um sutiã azul e encena um conto de Cinderela, em que a peça de roupa faz as vezes do sapatinho de cristal. Como o trem do qual se podem ver relances da rua ou do interior das casas, o filme proporciona uma espiadela em algo longínquo que, por um instante, fica extremamente próximo.
Publicado em VEJA de 26 de fevereiro de 2020, edição nº 2675