Janis (Penélope Cruz) e Ana (Milena Smit) conhecem-se na maternidade. Uma é fotógrafa, está na virada dos 40 anos e espera ansiosa pelo nascimento da filha. A outra é adolescente, está aterrorizada e carece de mais apoio do que encontra na mãe (Aitana Sánchez-Gijón), uma atriz que acaba de ganhar uma grande chance. Nos dois casos, a gravidez foi um acidente — essa é a palavra que elas usam, não necessariamente dando a ela definição idêntica. Janis conforta e encoraja Ana; ambas dão à luz no mesmo dia e, embora tenham vidas tão diferentes entre si, sua ligação vai se estender para bem além desse momento, como deixa claro o título Mães Paralelas (Madres Paralelas, Espanha, 2021), o novo filme de Pedro Almodóvar que, depois de uma passagem limitada pelos cinemas, estreia na Netflix em companhia de vários trabalhos anteriores do diretor. Trata-se, é claro, de melodrama na veia — gênero em que o espanhol costuma demonstrar excelência singular e para o qual encontra-se revigorado desde Dor e Glória (2019), que encerrou uma década de cansaço criativo.
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Pain and Glory
As voltas que o destino dá em Janis e Ana são progressivamente complicadas e inesperadas, e a própria Janis mal compreende como pode ceder assim a reações tão contrárias ao seu caráter. Mas Penélope Cruz, em uma grande atuação, torna as decisões dela viscerais, e a um só tempo cruéis e dignas de compaixão: há uma multiplicidade de papéis maternos contidos nas circunstâncias de Janis — para as meninas que nasceram, e para a frágil Ana (essa relação, entretanto, vai se transformar radicalmente).
Madres paralelas (Spanish Edition)
Mães Paralelas não tem o polimento de Dor e Glória. A subtrama relativa aos desaparecidos da ditadura franquista é mais anexada ao enredo central do que entretecida nele com causa e efeito, como em outros trabalhos de Almodóvar, e as mães são circunscritas aos estereótipos básicos da amantíssima, da desnaturada e da que tudo dá mas também tudo quer. Mas há uma beleza particular no uso que Almodóvar dá ao melodrama: nas suas mãos, ele é um instrumento de persuasão — um recurso para fazer o espectador ir adiando seu juízo sobre as personagens até o ponto em que julgá-las deixa de fazer sentido e o que ele quer, simplesmente, é compreendê-las.
Publicado em VEJA de 23 de fevereiro de 2022, edição nº 2777
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