Um menino de 14 anos, de família amorosa e bem de vida; um professor de segundo grau prestes a ter o primeiro filho; e um orientador escolar que frequenta a igreja e está em um segundo casamento feliz: à primeira vista (ou mesmo à segunda e à terceira), esses três personagens não parecem ser os candidatos mais prováveis a cometer um homicídio. E aí justamente é que está o interesse de Em Defesa de Jacob, The Sinner e Reckoning – na possibilidade de que até nas vidas mais comuns e ajustadas encontrem-se impulsos terríveis.
The Sinner – A Terceira Temporada
Uma das campeãs da Netflix, a série a esta altura dispensa maiores apresentações, mas vale frisar que ela emplacou em grande parte graças ao trabalho muito peculiar de Bill Pullman como o detetive policial Harry Ambrose, que se envolve de maneiras estranhas e não muito recomendáveis com os suspeitos que investiga – na primeira temporada, Jessica Biel como uma dona de casa que ataca brutalmente um desconhecido na praia; na segunda temporada, um menino criado dentro de um culto; e agora, na terceira, Matt Bomer como um pai à espera do primeiro filho que, para qualquer outro detetive, seria imediatamente descartado como inocente, já que estava no banco do passageiro quando um acidente mata o motorista, um velho amigo seu. Em todas as histórias, o suspeito é alguém que sai da normalidade para um limiar de loucura. Prato cheio para Ambrose, que também ele vive sempre perto dessa fronteira.
Reckoning: Ajuste de Contas
Há mais de vinte anos Mike Serrato (Aden Young, de Rectify), detetive de uma pequena e imaculada cidade da Califórnia, está obcecado com o serial killer conhecido como “Assassino do Rio Russian”. Quando o criminoso aparentemente volta à ativa depois de um longo hiato, a vida familiar do policial descarrila, da mesma forma que a do orientador escolar Leo Doyle (Sam Trammell) – que, de alguma forma, tem relação com o caso. As locações ensolaradas e prósperas desta minissérie em dez episódios na Netflix fazem contraste com o clima tenso e sombrio, em que a pior sordidez parece estar sempre prestes a irromper, e com o desenvolvimentos dos personagens, que têm todos algo de estranho que procuram esconder — inclusive os adolescentes. Sam Trammell não é um ator dos mais criativos, mas acerta a nota certa de mal-estar como o sujeito amigo demais dos alunos – e alunas – da escola. De mais a mais, Aden Young compensa qualquer falha dos companheiros de elenco.
Em Defesa de Jacob
Dos três títulos, este da Apple TV+ é o melhor. Adaptada de um best-seller de 2012 do escritor William Landay (publicado aqui pela Editora Record), a minissérie trata de como Andy Barber (Chris Evans), procurador de uma cidade próxima a Boston, topa com o pior pesadelo no decorrer da investigação do assassinato a facadas de um menino de 14 anos: a inclusão de seu filho Jacob (Jaeden Martell) na lista de suspeitos do crime – bem no topo da lista, aliás. Afastado do caso, Andy perde todo o acesso às informações que a investigação vai revelando. Trancados em casa com o filho para fugir do assédio da imprensa e da hostilidade da comunidade, Andy e sua mulher, Laurie (Michelle Dockery), tentam se preparar para o julgamento e, o mais difícil, encarar a hipótese de que o menino afetuoso, educado e estudioso – embora algo solitário – que eles criaram tenha cometido tal ato de selvageria. Para Andy, a ideia é impensável, até porque ela acarretaria examinar certos aspectos de sua vida que ele escondeu de todos. Para Laurie, a ideia é possível: ela relembra cada momento dos últimos quatorze anos em que Jacob lhe pareceu indiferente, ou agressivo, ou refratário, e acrescenta a cada lembrança a culpa por não ter entendido o que esses momentos talvez significassem. Dirigida pelo norueguês Morten Tyldum (de Headhunters e O Jogo da Imitação), a minissérie se desdobra assim em duas frentes diversas, a da investigação policial e a do desmoronamento familiar. Há quem veja em Em Defesa de Jacob certa frieza, ou ache que ela estica o assunto. Eu pessoalmente, acho que é aí que reside a maior qualidade dela, no cuidado e no detalhe com que ela evoca essa convivência terrível com a pior hipótese, sempre negando ao espectador – e aos personagens – uma catarse. Chris Evans, além disso, faz um belíssimo trabalho, e Jaeden Martell, que até pouco tempo atrás se chamava Jaeden Lieberher e é talvez o melhor ator americano de sua faixa etária, não fica atrás. Para quem leu o livro, uma dica: o final foi mudado.