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Normalizaram o absurdo

Precisamos parar para refletir e recuperar a sensatez perdida

Por Fernando Grostein Andrade Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 14h42 - Publicado em 28 fev 2020, 06h00
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  • Os anos 2010 foram definidos pela popularização das redes sociais, atalho para a explosão de notícias falsas e, como resultado, sucessivos abalos nas democracias em todo o mundo. As notícias reais, que denunciavam esse novo comportamento, eram tão absurdas que soava mais plausível acreditar nas falsas. Antes do Carnaval, o ministro da Economia, Paulo Guedes, sugeriu, de modo constrangedor, que seria lastimável o fato de as empregadas domésticas terem conseguido ir à Disney na época do Plano Real. E lembremos que o próprio Guedes chegou a reforçar o comentário preconceituoso do presidente do Brasil ao chamar a primeira-dama da França de feia, para se defender das acusações de complacência com a destruição da Amazônia.

    O absurdo está sendo normalizado. Depois de o planeta ver Bill Clinton, Shimon Peres e Yasser Arafat costurar o Acordo de Oslo, em 1993, oferecendo alguma sensatez às relações árabe-israelenses, parecia que o grande mal estava derrotado, e Adolf Hitler enterrado fundo — celebravam-se, nessas parcerias diplomáticas, as benesses da civilização do pós­-guerra. Mas não. Algo se quebrou recentemente. Com o apoio de ricos, poderosos e ignorantes que mais se assemelham a vacas defendendo o matadouro, assistimos a tentativas de destruição do cotidiano democrático. Os direitos humanos agora são vistos como algo negativo e um obstáculo à vida das pessoas “de bem”. Em um mundo cada vez mais desigual, em que a inteligência artificial e os gigantes da tecnologia começam a remodelar a política, precisamos refletir sobre os maiores desafios da sociedade na década que se inicia.

    “Os direitos humanos agora são vistos como algo negativo e um obstáculo à vida das pessoas ‘de bem’ ”

    É preciso, enfim, refletir sobre os absurdos. Sou judeu e, apesar das organizações judaicas progressivas, me envergonham pessoas como um grande empresário judeu que promove encontros jovens exclusivamente para judeus como forma de desencorajar a mistura. Se dependesse dele, portanto, eu, que sou filho de mãe judia e pai católico, não teria nascido. Figuras como essa posam de filantropos engajados nas mais diversas causas, entre elas promover nosso presidente e um governo que enfileirou uma série de associações com a ideia do nazismo. O secretário da Cultura, felizmente demitido, parafraseou Goebbels. O pai do ministro das Relações Exteriores chegou a dificultar a extradição de um carrasco nazista — gesto defendido por seu filho até hoje. Poderiam ser mencionadas ainda as frases preconceituosas de Bolsonaro sobre negros, gays e mulheres — que muitos “farialimers” consideravam coisa do passado. Mas, como a turma do Excel às vezes falta nas aulas de português, mais especificamente nas de interpretação de texto, cabe resgatar uma imagem que vale por mil palavras. Em 2015, Bolsonaro posou para uma fotografia ao lado de um sósia de Hitler. O Hitler tropical era Marco Antônio Santos e concorreu a vereador pelo antigo partido de Bolsonaro, o PSC. Para completar, a fotografia abjeta foi tirada no dia em que um dos filhos do presidente convidou o sósia de Hitler a discursar. E, para mostrar que o assunto é parte da família, outro filho diz que, apesar de abominar o nazismo, o comunismo e o socialismo são piores — como se uma coisa tivesse a ver com a outra. Será que abomina mesmo?

    Publicado em VEJA de 4 de março de 2020, edição nº 2676

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