Aos 29 anos, Nicholas Winton tinha uma vida confortável. O jovem inglês, filho de judeus alemães, era corretor de ações de um banco em Londres e planejava esquiar nas férias que teria em dezembro de 1938. Isso, até um amigo lhe telefonar de um campo de refugiados em Praga pedindo ajuda. Winton não pensou duas vezes. O rapaz logo pegou o trem rumo à extinta Tchecoslováquia para reforçar uma equipe de voluntários que tentava, com muito boa vontade e poucos recursos, salvar judeus e membros de movimentos antinazistas do exército de Hitler, que expandia seu domínio na Europa — avanço que deflagrou, no ano seguinte, a Segunda Guerra Mundial. O trabalho que duraria uma semana se estendeu por nove meses, período no qual Winton organizou uma complicadíssima evacuação de centenas de crianças judias de Praga para a Inglaterra. Apelidado de “Schindler inglês”, em referência ao empresário alemão eternizado no filme A Lista de Schindler, de Steven Spielberg, o corretor e sua saga conduzem o longa Uma Vida — A História de Nicholas Winton (One Life, Reino Unido, 2023), em cartaz nos cinemas.
Honrando a personalidade discreta e altruísta do biografado — ele só se tornou uma pessoa pública em 1988, quando buscava um museu para doar a extensa documentação que tinha da época —, o filme de James Hawes foge da armadilha de transformar Winton em um herói dramático e fora da curva. Para isso, se apoia em um roteiro singelo e contido na melancolia, embalado por uma ideia reconfortante: sem acesso aos ambientes de poder, pessoas comuns podem, sim, fazer a diferença em um mundo caótico.
Interpretado por Johnny Flynn na juventude e pelo gigante Anthony Hopkins na maturidade, Winton tinha uma habilidade valiosa: era ótimo com papelada. Talento desprovido de glamour, mas que fazia com que ele enxergasse possibilidades práticas onde os demais não viam. Ao notar que a única maneira de levar as crianças de forma legal e segura à Inglaterra exigia a aprovação de vistos emergenciais, uma alta quantia financeira e cidadãos ingleses dispostos a abrigá-las em suas casas, ele encabeçou uma força-tarefa que angariou doações e famílias prontas a ajudar. Como resultado, 669 crianças foram salvas — número que poderia ter sido maior não fossem tantos entraves burocráticos.
Em 2014, quando a filha de Winton publicou a biografia que dá nome ao filme, a estimativa era de que 6 000 descendentes daquelas crianças existiam por causa de seu empenho. Após a guerra, ele voltou ao trabalho no banco e, na aposentadoria, se dedicou a ações humanitárias diversas. Morto em 2015, aos 106 anos, Winton deixou uma lição poderosa: a combinação de empatia e coragem pode mudar (ou ao menos melhorar) o mundo.
Publicado em VEJA de 15 de março de 2024, edição nº 2884