Vestido com um macacão antichamas e usando acessórios para proteger os dentes e o pescoço, Colt (Ryan Gosling) está pronto para encarar uma perigosa cena de ação em um filme de Hollywood. O momento é essencial para ele: dublê de uma grande estrela do cinema, Colt estava havia mais de um ano afastado do trabalho após um grave acidente em outro set. Na sequência que marca seu retorno, ele deve dirigir um carro em alta velocidade pela praia, com pouca tração na areia, e capotar várias vezes. A meta é atingida e superada: o veículo gira oito vezes e meia — um recorde histórico. A comemoração é dupla: enquanto em cena o personagem de Gosling é celebrado pelo feito, nos bastidores de O Dublê (The Fall Guy, Estados Unidos, 2024), que estreia nos cinemas na quinta-feira 2, o diretor David Leitch urra de alegria enquanto o time tira do carro Logan Holladay, dublê de Gosling — e que entrou ali, de verdade, para o Guinness, o livro dos recordes.
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Na trama de contorno metalinguístico, Colt deve não só ser o profissional que se arrisca no lugar do astro mimado Tom Ryder, vivido com gosto por Aaron Taylor-Johnson, como precisa ainda encontrá-lo, já que o ator desapareceu antes do fim das filmagens de uma rocambolesca produção apocalíptica. O longa usa e abusa dos dotes cômicos de Gosling e também das excelentes cenas de perseguição, lutas e fugas — no ar, na terra e até no mar. Tal resultado é fruto de experiências passadas do diretor: Leitch começou a carreira, ele próprio, sendo dublê de medalhões como Brad Pitt e Matt Damon, antes de se embrenhar com sucesso na função de diretor. Conduziu alguns exemplares exuberantes e criativos do gênero de ação, caso de Atômica, Velozes e Furiosos: Hobbs e Shaw e do hilário Trem-Bala, e ainda assina como produtor a saga John Wick — a qual conta com a direção de outro ex-dublê, Chad Stahelski.
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A trilha desses profissionais até a direção não é raridade — e atesta o valor de quem sabe manobrar uma boa atuação física, o ângulo ideal e o ritmo da cena. Leitch engrossa uma fila puxada por outros talentosos ex-dublês, como Bruce Lee, Jackie Chan e até mesmo o incomparável cineasta John Ford, que começou entre carros explodindo antes de levar quatro estatuetas do Oscar por obras essenciais, entre elas No Tempo das Diligências (1939) e As Vinhas da Ira (1940). Enquanto O Dublê se prepara para chacoalhar as bilheterias, o diretor e seus colegas intensificam o lobby que pede à Academia de Hollywood uma categoria específica no Oscar para premiar o ofício. É justo: os astros anônimos merecem reconhecimento.
Publicado em VEJA de 26 de abril de 2024, edição nº 2890