Há 100 anos, no dia 10 de junho de 1922, nascia Frances Ethel Gumm, mundialmente conhecida como Judy Garland, um dos ícones da era de ouro de Hollywood, protagonista do clássico O Mágico de Oz (1939). Primeira grande estrela-mirim do cinema, Judy era bonita, boa atriz e excelente cantora. Seu imenso talento, porém, foi vertido em instrumento de tortura contra ela pela indústria cinematográfica da época — vida pautada por cobranças que a levaram à morte precoce por overdose de barbitúricos em 1969, aos 47 anos. O fim que a encurralou entre os desprezados pelo meio foi vertido em alerta na era do MeToo — especialmente com o lançamento de Judy: Muito Além do Arco-íris, de 2019, com Renée Zellweger na pele da cantora, papel que lhe rendeu um Oscar.
Judy foi submetida a uma pressão insustentável que, infelizmente, encontra reflexos em estrelas femininas dos dias de hoje. Exemplos não faltam. De Britney Spears a Demi Lovato e Selena Gomez, jovens que amadureceram sob os olhos do público e ainda penam para conseguir algum tipo de estabilidade emocional. Ao contrário delas, porém, Judy Garland não teve direito a voz para falar publicamente das cobranças que sofria: desde uma dieta restrita para manter a aparência até uma vida pessoal controlada por produtores, comparável à gaiola de um Show de Truman.
Judy começou a carreira muito cedo. A primeira vez que subiu ao palco, ela tinha pouco mais de 2 anos. Aos 6, integrou o grupo musical The Gumm Sisters com as duas irmãs mais velhas. Aos 13, após a família ter se mudado para a Califórnia, ela assinou contrato com os estúdios MGM. O primeiro grande papel viria três anos depois, justamente em O Mágico de Oz.
No centenário de nascimento de Judy Garland, os abusos que ela sofreu precisam ser lembrados. A começar pelo seu primeiro sucesso, o musical O Mágico de Oz. Apesar de ser a protagonista, seu cachê no filme foi o mesmo dos anões que interpretavam os munchkins. Nos bastidores, segundo o livro Judy And I: My Life With Judy Garland, escrito pelo ex-marido da estrela, Sid Luft, a vida dela era um inferno, já que os atores que interpretavam os munchkins abusavam da atriz colocando as mãos sob seu vestido. Ao longo da vida, os abusos continuaram. Para aguentar as longas jornadas de trabalho nos estúdios, por exemplo, os produtores de Hollywood lhe ofereciam pílulas para dormir ou estimulantes para ela se manter acordada. Anfetaminas também eram oferecidas para saciar a fome e ela foi submetida a inúmeras plásticas para manter a aparência sempre jovem. O clássico Nasce Uma Estrela, de 1954, ficou marcado como o grito de socorro da artista. Nele, é possível traçar paralelos de sua vida pessoal com a da personagem. No enredo, uma jovem simples sucumbia ao peso da fama.
Apesar dos pesares, Judy foi uma atriz brilhante e ganhou diversos prêmios. Ainda na adolescência, ela ganhou o Oscar Juvenil (categoria que não existe mais) por sua atuação em O Mágico de Oz e Sangue de Artista. Entre as outras premiações, Judy ganhou um Globo de Ouro por sua atuação em Nasce Uma Estrela e foi a primeira mulher a ganhar o prêmio Cecil B. DeMille, em 1962, pelo conjunto de sua obra. Em 1964, em um dos últimos trabalhos dela no teatro, Judy cantou algumas canções com a filha, Liza Minelli, então com 18 anos, em um teatro de Londres.
Judy se casou cinco vezes, duas delas com homossexuais – a maioria desses relacionamentos foi marcado por violência e abusos psicológicos. Do relacionamento com Vincente Minelli nasceu sua filha, Liza Minelli, que seguiu o mesmo caminho da mãe, tornando-se ela própria uma grande estrela. Judy acabou se tornando ainda um ícone gay e a explicação, segundo uma reportagem da revista Equire, de 1969, era a de que “homossexuais entendem o que é sofrer, assim como Garland”.
Felizmente, graças a movimentos como Me Too e a coragem de atrizes que denunciaram os abusos e não se calaram, que casos como o de Judy, uma atriz soberba, mas que se foi muito cedo, dificilmente voltarão a se repetir. Mas o caminho é longo e ainda está longe do fim.