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“Hoje em dia, todo mundo é uma prostituta”, diz Bruce LaBruce a VEJA

Exposição para maiores de 18 anos do trabalho do 'pornógrafo relutante' ocupa andar térreo do Museu da Imagem e do Som de São Paulo

Por Thiago Gelli Atualizado em 20 nov 2024, 08h16 - Publicado em 20 nov 2024, 08h00
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  • Quem visitar o Museu da Imagem e do Som de São Paulo, o MIS, até 26 de janeiro de 2025 para mergulhar na exposição O Cinema de Billy Wilder pode se surpreender com o trabalho de outro cineasta exposto em uma das salas menores à direita. Com entrada em vermelho vibrante e telões que repetem as palavras Sem Censura, o portal não permite que quem esteja do lado de fora espie as imagens espalhadas pelas paredes e, se o visitante não conhecer o nome anunciado, é provável que saia dali com bochechas rosadas. Os sinais são dados pelo funcionário que supervisiona a passagem: para entrar, só tendo mais de 18 anos e lacrando o celular. Por trás de tanto mistério, jaz o trabalho de um dos pornógrafos mais notórios da atualidade: o canadense Bruce LaBruce, de 60 anos, que desde 1991 utiliza o sexo gay como ferramenta em filmes políticos que circulam por festivais como Sundance e o de Berlim.

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    O objetivo de LaBruce, contudo, não é necessariamente levar a plateia ao prazer. Como um dos fundadores do movimento punk queercore, ele visa vincular o sexo explícito à ideia de transgressão política, acatando tabus e fantasias peculiares presentes, por exemplo, em seu trabalho mais recente. Parte da programação do Festival MixBrasil, O Intruso é releitura de Teorema (1968), de Pier Paolo Pasolini, e satiriza a ideia do imigrante africano como “parasita” na Europa. A partir do discurso de ódio, Bruce imagina um homem literalmente alienígena que seduz todos os membros de uma família inglesa abastada e, assim, transforma suas percepções de classe e arte. O longa chega ao circuito nacional em 30 de janeiro pela Imovision.

    Em São Paulo para a abertura da exposição e a estreia do filme dentro do MixBrasil, o cineasta falou a VEJA sobre seu trabalho único, sua concepção do movimento gay, seu balanço sobre a indústria pornográfica e mais: 

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    Exposições de teor similar a esta já foram motivo de escândalo nacional no Brasil, mas 2024 tem sido ano frutífero para mostras de arte LGBT+. Por que acha que existe esta instabilidade na tolerância a artistas gays? Essas coisas vêm em ciclos. Sei que o que está acontecendo agora nos EUA é bastante assustador. Estão tentando revogar todos os tipos de direitos, como não só os direitos gays, mas também os direitos trans, os direitos ao aborto e esse tipo de coisa. Nunca se pode contar com o fato de que as coisas vão progredir. Você pode provocar alguma mudança, mas não é garantido que seja permanente. Por isso, como artista e cineasta, continuo fazendo trabalhos que desafiam a ortodoxia e as convenções da sociedade não só em termos da ordem dominante, mas também das regras do “ser gay”. Sou considerado um “gay do mal” por alguns espectadores , porque faço filmes muito extremos sobre fetiches, recheados de alegorias políticas que vão contra a direita e certas estratégias da esquerda radical. O importante para mim é manter um tipo de espírito revolucionário, mesmo que a revolução esteja adiada, como diz uma das personagens de The Raspberry Reich (2004). É preciso estar vigilante e continuar a fazer trabalhos que desafiem essas forças.

    Sua reputação de “gay do mal” fica realçada em contraste às produções de temática LGBT+ sendo produzidas nos grandes conglomerados de entretenimento, mais sacarinas. Como nunca se deixou levar por esse tipo de abordagem didática? Acho que já temos o suficiente disso. Pessoas demais trabalham no mainstream, enquanto eu sempre me considerei marginal, desencaixado e excluído. Me regozijo nos aspectos mais ousados de ser gay — e até mesmo nos criminosos. A ideia de uma liberdade sexual demanda o não conformismo às ideias de como alguém deve se portar sexualmente. Nasci antes desse movimento organizado e o acompanhei de perto. A libertação gay foi abastecida pelo sexo, por um desejo muito forte, radical e sem remorsos, porque era aquela a melhor maneira de mostrar que as pessoas deveriam ser autorizadas a se expressar como quisessem. Vivíamos uma intimidade militante e com ela exploramos todo tipo de configuração maluca de comportamentos e relações. Quem quer ver gays comportados, os encontra facilmente na TV. 

    Acredita que esse tipo de mobilização social e cultural que viveu ainda seja possível no mundo contemporâneo, apesar da cacofonia da internet? Estávamos à frente do nosso tempo quando fazíamos as zines que começaram o movimento punk queercore, como era chamado. Já estávamos, na metade para o final dos anos 80, sendo muito inclusivos. Tínhamos uma mentalidade anarquista, quase marxista, e uma espécie de estratégia, mas acreditávamos na inclusão, na solidariedade entre gays e lésbicas. Já no movimento gay mais popular, havia muito machismo, sexismo e racismo. Do nosso lado, estávamos acolhendo e trabalhando ao lado de pessoas trans, plantando as sementes do que hoje foi incorporado ao movimento LGBT+. O que aconteceu depois foi o movimento da assimilação. As pessoas queriam conquistar os direitos que, claro, merecem, mas foram muito longe na direção conservadora. Se aliaram a instituições como a religião organizada, o exército, a Igreja, a monogamia, o casamento e tudo mais. Hoje, é este o ponto em que nos encontramos. Existe uma esquizofrenia. Nos Estados Unidos, por exemplo, as políticas da nova esquerda representada pelo Partido Democrata são quase idênticas às do Partido Republicano. São contradições que também existem por toda a internet. Ela democratiza a pornografia, possibilita que qualquer um a produza em sites como o OnlyFans e reconfigura as ideias em torno do que faz alguém desejável, mas, por outro lado, impõe muita censura sobre o que pode ser compartilhado. O ruim é que nos acostumamos a estes bloqueios invisíveis. Tenho que tomar muito cuidado com o que posto no Instagram para não ter meu alcance limitado. A autocensura não é uma coisa boa. 

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    Na contramão deste momento assimilacionista, acredita que exista algo que não possa ser cooptado por conservadores, como seu trabalho pornográfico? De certa forma, sim. O sexo explícito ainda é um tabu. Tem certos programas de TV que realmente empurram as coisas bastante longe, como aquela série com a Sydney Sweeney, Euphoria — mas acredito que aqueles, na maioria, sejam pênis prostéticos. Mostrar uma relação não simulada ainda é impensável fora da indústria pornográfica, que agora também está sendo pressionada a se censurar. Acho que é o que veremos nos próximos quatro anos, o mandato de Trump atacará as empresas de pornografia. Sempre digo que as estrelas do pornô gay são, de certa forma, os últimos guerrilheiros sexuais. São eles que preservam aquele modo de vida da libertação. Quando era jovem, passei muito tempo entre Nova York e São Francisco, onde homens se encontravam por toda parte, em saunas, na cena do couro e nas vielas. Era bastante louco. Ocasionalmente, faço filmes que considero mais acessíveis, com orçamentos maiores, mas ainda abordo fetiches, como em Gerontophilia e Saint-Narcisse. Continuo pressionando os limites. O engraçado é que, agora, mesmo com o material explícito, meus filmes estão sendo comprados por grandes distribuidoras e agentes de vendas. O Intruso, por exemplo, está sendo distribuído pela Utopia no Reino Unido, Canadá e Estados Unidos, a mesma empresa que acabou de lançar Megalópolis junto à Lionsgate. 

    Muitos dos opositores à pornografia negam rechaçá-la por questão moral, mas sim por atributos repreensíveis da indústria. Como tem sido sua experiência de trabalho dentro dela?  Me chamo de “o pornógrafo relutante”, é o nome de meu livro de memórias. Sempre mantive que a indústria pornô é muito problemática, mas, quando trabalho com ela agora, percebo ser muito mais regulada em termos da saúde e bem-estar dos atores. Existe também um movimento pela “pornografia ética”. Trabalho às vezes com a produtora Erika Lust, que se dedica a filmes explícitos por um viés feminista em Barcelona, sob um código de conduta rígido, mas sempre haverá pornografia feita fora do sistema, sem regras. Pode-se dizer isso sobre o OnlyFans, que apresenta o risco de que pessoas se explorem sexualmente por dinheiro. Hoje em dia, de qualquer modo, parece que todo mundo é uma prostituta.

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