Inspirando-se de forma escancarada em oficiais nazistas, o texano Jack Adkisson (1929-1997) trocou seu nome pela alcunha de Fritz Von Erich, fez de seu uniforme uma sunga preta combinada a uma jaqueta adornada por uma cruz de ferro para se tornar um dos vilões de maior sucesso da luta livre. Em seu golpe característico, pressionava o crânio dos oponentes até arrancar sangue. Fora dos ringues, contudo, era um tradicional pai de família americano. Criou seis filhos com a mesma rigidez e hipermasculinidade que apresentava ao público, oferecendo de herança a profissão, um canal de TV e o golpe indefectível. Mas, em 1993, já havia perdido cinco deles: um por acidente, um por causa natural e três em suicídios. Trágica ao ponto do inacreditável, a história real logo suscitou um nome macabro: a Maldição dos Von Erich. Mais de trinta anos depois, a fim de romper o misticismo e olhar para as falhas estruturais e emocionais que arruinaram a família, o cineasta Sean Durkin então produziu, escreveu e dirigiu o drama Garra de Ferro (The Iron Claw, Estados Unidos/Reino Unido, 2023), que chega aos cinemas em 7 de março.
Seis balas num buraco só: A crise do masculino
Mulherzinhas – Adoráveis Mulheres: Edição Integral
Contada por Kevin (Zac Efron), único sobrevivente da família, a história mostra os irmãos como jovens ambiciosos, bem-humorados e diversos entre si: enquanto o protagonista sonha em conquistar a maior ambição do pai — o título mundial dos pesos-pesados da categoria —, Kerry (Jeremy Allen White) é atleta olímpico, David (Harris Dickinson) é comunicador nato e Mike (Stanley Simons) quer ser roqueiro — por opção dramatúrgica, o caçula Chris não é retratado no longa. Nesse ponto, o grupo já lida com a perda do irmão mais velho, Jack Jr., morto num acidente aos 6 anos — mas eles ainda esbanjam joie de vivre. Quando David morre por enterite e Kerry é impossibilitado de concorrer na Olimpíada, porém, todos os filhos são obrigados a seguir o caminho do pai na anedótica luta livre, sendo gradualmente esmagados pela dor e pela pressão. Semelhante a enredos como Adoráveis Mulheres e As Virgens Suicidas, o filme expõe suas figuras viris com delicadeza raramente prestada à subjetividade masculina.
Assim, Efron equilibra a vulnerabilidade mais tocante de sua carreira com os músculos mais inchados que já teve, desarmando diversas farsas de Kevin — a maturidade ilusória, a agressividade e a ideia de que homens não choram. Sempre à sombra do pai, os irmãos mortos jamais puderam ir além da projeção de um homem frustrado e de seu provincianismo. Já ao lutador que sobrevive, resta descobrir que a vida exige bem mais honestidade e força do que qualquer ringue.
Publicado em VEJA de 16 de fevereiro de 2024, edição nº 2880