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‘Eu não sabia que era bonito’, brinca Paulo Betti ao relembrar carreira

Rodando o Brasil com a peça 'Autobiografia Autorizada', ator de 71 anos analisa história de sua família e de sua trajetória no cinema e na TV

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 5 ago 2024, 22h45 - Publicado em 3 ago 2024, 09h00

Paulo Betti notou cedo a vocação para ser ator. Começou no teatro nos anos 1970 e, de lá para cá, sua história e a das artes brasileiras se mesclam, somando dezenas de peças, novelas e filmes no currículo, assim como personagens incontornáveis da TV e do cinema – para citar alguns, ele representou o guerrilheiro Carlos Lamarca, no filme Lamarca (1994), e entrou para o hall de vilões redimidos das novelas com Téo Pereira, em Império (2014). Apesar desta ser a faceta mais conhecida de Betti, o ator é também escritor, roteirista e diretor, habilidades que resultaram no longevo monólogo Autobiografia Autorizada, peça que roda o Brasil desde 2015 e, neste fim de semana, passa pelo Caixa Cultural, em São Paulo. No espetáculo, o artista de 71 anos reúne seus escritos e suas memórias, numa colagem de imagens e personagens da vida real, todos interpretados por ele, de sua avó, imigrante italiana no Brasil, até a irmã mais velha, que hoje vive com uma doença degenerativa. A VEJA, Betti falou sobre a experiência e analisou (com muito bom humor) sua trajetória até aqui. Confira:

O que o levou a fazer essa peça, que começou a ser encenada há nove anos e ainda continua ativa? Foram muitos fatores. Eu sempre fiz muitas anotações e vivi muita coisa. Então essa peça é como um exercício da minha memória, por isso ela está em constante transformação. A cada etapa, uma nova recordação surge, descubro uma nova foto, e assim por diante. A família é um tema inevitável da cultura brasileira. Então há identificação com o público, há emoção, comédia. E isso é muito gratificante. 

Algum fator se destaca como start do projeto? Eu estava ensaiando para outra peça, um monólogo também e meu personagem era um homem de uma classe social alta e ele falava sobre ter uma empregada. Ali eu pensei: eu não me encaixo aqui, minha mãe foi empregada doméstica. Eu deveria contar a história dela. Eu nasci em uma senzala no interior de São Paulo, fui criado entre quilombolas. A história da imigração italiana passa por esse lugar. Meus avós chegaram ao Brasil em 1889, para substituir a mão de obra escrava liberta. Minha história é curiosa, pois minha família era de italianos brancos que trabalhavam em uma fazenda que era propriedade de um homem negro. 

Um cenário como esse poderia lhe dar abertura para questionar o racismo no Brasil, como muitos fazem. Em qual momento notou essa diferença entre brancos e negros nesse cenário? Quando criança eu não notava diferença, até que entrei na escola, que, naquele momento e naquela região, era elitizada. Então meus amigos que jogavam bola comigo na rua não estavam do meu lado estudando, e esse foi meu primeiro sinal. Esse tema do racismo me é muito caro. Tanto que eu dirigi o filme Cafundó (2005) e a peça Cerimônia para um Negro Assassinado (1977). Fiz tudo isso com o cuidado para não cruzar a linha do lugar de fala, pois existe o lugar de fala, de quem vive a experiência, e o olhar do interessado, que observa e analisa. É daí que eu vejo o racismo.

Paulo Betti é Téo Pereira, blogueiro que ganha a vida fazendo fofoca
Paulo Betti como Téo Pereira, fofoqueiro da novela Império – (TV Globo/Divulgação/VEJA)

Junto com a peça o senhor dá workshops de atuação. Quais conselhos acha que são essenciais para jovens atores? Eu digo apenas três coisas: tome nota, que foi o que eu fiz, registrei toda a minha experiência e agora transformei em uma peça; segundo, decore seu texto; e terceiro, tente não esbarrar no cenário. É isso. Porque acho que quando alguém tem que acontecer no meio, vai acontecer.

A questão da representatividade se tornou essencial na TV. Atualmente, tem algum personagem que o senhor olha para trás e pensa: eu não deveria ter feito? Olha, nunca parei pra pensar nisso, pode ser um bom exercício. Talvez o Téo, da novela Império. Que era um gay muito caricato e exagerado. Mas ainda hoje eu passo pelas ruas e as pessoas me pedem para falar o bordão dele, o ‘curuzes’, e elas se divertem. Não sei, eu adorei fazer os papeis que eu fiz. E vejo com muita alegria hoje a diversidade nas novelas. Se você olha uma novela antiga, praticamente não tem negros. E como não pensávamos nisso? A gente achava normal! Hoje, vemos a novela antiga e pensamos: o que é isso? Que país é esse? A última novela que eu fiz foi Amor Perfeito (2023), que tinha 50% do elenco de negros, inclusive o protagonista. Eu vejo isso com muita alegria, acho muito positivo. Mas voltando à sua pergunta, não me arrependo dos papeis que fiz. Eu ando meio condescendente comigo mesmo (risos)

Às vezes é necessário, não é? Pois é, quando eu estava fazendo o papel, era muito crítico. Não gostava, nunca tava satisfeito, mas agora quando vejo, eu fico surpreso. Eu não sabia que eu era bonito (risos). Agora, minhas filhas assistem novelas antigas e falam: ‘pai, você era gato’. Mas foi bom eu não ter notado, pois não repousei nisso nunca. Esses dias eu estava vendo Mulheres de Areia, e eu apareci em cena: claro, era eu há mais de 30 anos, e fiquei pensando, ‘olha, sou mesmo bonito mesmo’. Mas foi bom não ter notado antes, assim não pude descansar nesse único aspecto. 

Sente falta de fazer novela? Eu adoro novela, adoro. Mas agora ando sem tempo para sentir falta, pois estou na estrada fazendo teatro. Vou falar uma coisa pretensiosa: as pessoas me amam! Eu descobri isso viajando, conversando ao final das peças. Eu não sabia disso. Tem uma memória afetiva forte, minha história junto com a da TV, as pessoas me vendo envelhecendo na tela. Eu sinto que tem um pouco de mim em todos os personagens que fiz. Eles me influenciam e vice versa. O Walmor Chagas dizia que “o personagem é um álibi”, pois ali estão partes de você que não podem ser reveladas. Tudo isso é incrível, mas é pirante. Tive a sorte de ter o pé no chão.

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O ator Paulo Betti em cena no monólogo
O ator Paulo Betti em cena no monólogo “Autobiografia Autorizada” (Mauro Khouri/Divulgação)

A terapia está em dia? Está, está sim. Faço terapia e a peça é uma terapia. Toda noite, faço a cena do meu avô morrendo, da minha mãe morrendo. Ao mesmo tempo são personagens envoltos em uma criação. De repente eu mostro uma foto de um time de futebol e eu desabo, é um desvio emocional. São os percalços de uma peça biográfica. 

E a reação da plateia? É muito especial. Hoje em dia não posso ir embora da peça sem falar com as pessoas. Tiro fotos, elas me contam histórias. E olha só mais essa calhordice da minha parte: a peça é instagramável. E eu aviso no começo: pode fazer o que você quiser. Pode tirar foto, pode olhar o WhatsApp, se distrair um pouco, não tenho a pretensão de achar que alguém vai ficar totalmente vidrado em mim por mais de uma hora. E as pessoas me fotografam muito, me marcam, e eu reposto. É isso, não tem mais volta. Pode me internar (risos). Estou em lua de mel comigo mesmo.

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