Em plena luz do dia, um vulto bate à porta do psicólogo Will Harper (Chris Messina). Ao atendê-lo, ele tem uma visão chocante. Entre soluços e prantos, o estranho lamenta a morte repentina de suas filhas e diz que ambas foram assassinadas pela lenda que faz crianças odiarem armários escuros ou olhar debaixo da cama antes de dormir: o bicho-papão. Presságio dos pesadelos que assombrarão Harper e sua família, a cena resume o substrato temático que potencializa o terror Boogeyman: Seu Medo É Real. Baseado num conto de 1973 do americano Stephen King, o filme explora traumas que vão além do que a terapia pode expurgar: os medos instintivos que a mente infantil só faz amplificar.
Se no original de King tudo se passa numa consulta em que o paciente narra o infortúnio familiar, na nova versão as duas filhas do psicólogo se tornam alvo fácil devido à perda da mãe. Emparedadas entre a negação e o luto, elas são incapazes de se comunicar com o pai — e a espaçosa casa da família oferece diferentes cenários propícios aos ataques da entidade folclórica. Valendo-se dessa fonte primal do horror, o diretor Rob Savage, 31 anos, inverte a lógica de sucessos recentes do gênero: mais que efeitos especiais e verborragia, a história se constrói a partir daquilo que é apenas sugerido pela câmera e pelo mise en scène dentro da casa, com seus silêncios e espaços escuros. Retoma assim, providencialmente, os fundamentos básicos do terror sobrenatural.
Nos anos da pandemia, o cineasta ganhou prestígio com produções austeras como Cuidado com Quem Chama e Dashcam — longas “de zero orçamento”, como define Savage. Em entrevista a VEJA, o diretor descreve a nova empreitada, mais fartamente irrigada com grana de Hollywood, como uma surpresa: “Esperava que trabalhar com um grande estúdio viesse com limitações e concessões. Mas cada quadro desse filme é meu”.
Em sua história moderna do bicho-papão, Savage maneja com sagacidade os contrastes entre as sombras e fontes de luz como a luminária esférica da menina Sawyer (Vivien Lyra Blair). Para o cineasta, a intenção era “armar a tela contra o espectador”, que é forçado a buscar o monstro nos cantos ou a cerrar os olhos instintivamente — antecipar a face da criatura é, afinal, mais assustador que vê-la. A exemplo de sucessos como O Chamado e Invocação do Mal, Boogeyman revela-se eficaz nessa manipulação macabra. Que o diga o próprio Stephen King: a eterna grife do terror, com mais de vinte adaptações de sua obra em andamento, teria se assustado ao ver o resultado. “Saber que o fiz pular da cadeira é um distintivo de honra que terei para o resto da vida”, diz Savage. Na dúvida, melhor dormir com a luz do quarto acesa.
Publicado em VEJA de 7 de junho de 2023, edição nº 2844
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