No post anterior desta série sobre a questão de haver ou não um excesso de matrículas no ensino superior, a análise foi feita a partir das perspectivas demográfica, de alocação de recursos entre gerações e da eficiência. Neste post, dando continuidade a essa discussão, vamos nos ater a uma outra perspectiva para avaliar o tamanho da oferta: a demanda do mercado de trabalho. O mercado de trabalho tem condições de absorver 1,25 milhão de graduados a cada ano? Tem condições de oferecer a eles ocupações e salários compatíveis com o seu nível de formação?
A resposta aqui é bem mais complexa. Fiquemos apenas com os dados do mercado formal. De acordo com a PNAD Contínua, no 3º trimestre de 2021, havia cerca de 47,5 milhões brasileiros atuando no mercado formal, dos quais 14,2 milhões (cerca de 30 %) possuem curso superior completo. E desse total, 5,5 milhões (39%) encontram-se em posições que poderiam ser ocupadas por egressos de ensino médio.
Se considerarmos que a economia formal tem capacidade de empregar pouco menos de 9 milhões de profissionais com ensino superior, a cada ano o Brasil poderia repor quase 15% da mão de obra – uma taxa de reposição obviamente absurda e desproporcional. Claro que nossa economia é frágil, superprotegida, pouco competitiva e com baixo nível de inovação tecnológica. Mas é a que temos.
A análise pode parecer simplista, pois todos sabemos que o mercado clama por profissionais qualificados. Qualquer empregador sabe disso – ou pelo menos diz isso por força do hábito. Analisar o perfil dos concluintes ajuda a entender melhor o descompasso entre a educação superior e mercado de trabalho.
Do total de 1,25 milhão de graduados em 2019, 40% se formaram em cursos de ciências sociais, administração e direito. Cerca de 254 mil (20%) se formaram em cursos de pedagogia ou magistério. Ou seja: 60% dos formandos se concentram em duas áreas, e desses, apenas os formandos em administração parecem ter mais chances no mercado de trabalho.
O caso dos profissionais da educação é interessante: a cada ano são absorvidos em média 30 a 50 mil professores, mas formamos cinco vezes mais do que as redes de ensino podem absorver. Torna-se óbvio o descompasso entre as expectativas das pessoas e a realidade do mercado de trabalho.
Os dados aqui discutidos apontam para a existência de inúmeras distorções – especialmente de expectativas e de eficiência. Mas convém examinar interpretações alternativas.
Vamos continuar abordando esse assunto nos próximos posts.