Em nome da equidade – ou seja, para proteger os alunos de escolas públicas estaduais, há uma mobilização nacional para adiar a data de realização do ENEM. Projeto de lei aprovado no Senado Federal, em 19 de fevereiro, tem grandes condições de ser aprovado também na Câmara dos Deputados. Na versão atual, o projeto só permite a realização de concursos seletivos para as universidades após a conclusão do ano letivo de 2020.
A causa é justa. A probabilidade de os alunos de escolas públicas estaduais terem piores condições de preparo e competição parece fora de questão. O estrago está feito. A questão é: a solução proposta resolve alguma coisa? Aumenta as chances de aprovação desses candidatos? E, se a resposta for negativa, há outras opções mais razoáveis? Examinamos questão a questão.
Primeira questão: dar mais tempo para concluir o ano letivo das escolas públicas também significa dar mais tempo para os alunos mais bem preparados se prepararem ainda mais. Quem o leitor acha que ganhará com o adiamento? Essa pergunta pode ser verificada empiricamente, mas, no momento, não temos os dados. Vale, então, usar a resposta honesta. E essa, possivelmente, indicará que, com o adiamento, os candidatos mais bem preparados terão mais chance de se preparar ainda mais. Portanto, apesar de reconhecer que alunos ficarão prejudicados, não é óbvio que adiar o exame vai ajudar quem precisa ser ajudado.
Segunda questão: se o problema é de inequidade, por que não questionar a legislação que permite, desde o início do ENEM, que um aluno refaça o exame em anos posteriores? Isso cria uma injustiça em relação às gerações presentes, pois o aluno do ano X vai concorrer com os de sua geração e os formados anteriores, que terão tido mais tempo para aprender. A resposta a essa pergunta ajuda também a responder a primeira: ou mais tempo não ajuda – e, então, não vale a pena prorrogar o ENEM – ou mais tempo ajuda, e, nesse caso, a medida terá efeito contrário ao pretendido.
Terceira questão: estabelecer que os exames de seleção só podem ser iniciados após a conclusão do ano letivo dará o poder de calendário para o estado que mais demorar para concluir o seu ano letivo de 2020. No mínimo cabe indagar se a medida é razoável.
Quarta questão: se o objetivo é evitar maiores injustiças, não haveria outros caminhos? Por exemplo, por que não estabelecer, mediante acerto com as Instituições públicas de ensino superior, uma regra para manter as cotas para os potenciais alunos cotistas no mesmo nível do ano anterior ou dos anos anteriores? Ou, no caso do FIES/PROUNI, ainda mais fácil, por que não alterar as regras de acesso de maneira a assegurar acesso proporcional aos alunos cotistas, reduzindo, se necessário, a barreira de entrada?
Emoção e compaixão fazem e devem fazer parte do processo de formulação de políticas públicas. Plebiscitos já são mais estranhos em casos como este, mas, a rigor, poderiam também servir como critério, desde que estabelecidos em bases democráticas, com todos os interessados tendo direito a voto. Esses são critérios democráticos e aceitáveis. Mas não necessariamente conduzem aos resultados almejados. Uma democracia madura deveria deixar algum espaço para o exercício da racionalidade.