Há cerca de 10 anos, quando me iniciei na área de leitura para crianças, perguntei a Peri Klass, diretora médica do Reach Out and Read, a respeito das evidências a respeito do risco dos computadores e tablets nas mãos de crianças muito pequenas. Sua resposta foi simples: o problema maior não é o tablet, é o risco da perda de interação das crianças com os adultos.
A observação era profética. Estudos recentes sobre o desenvolvimento do cérebro corroboram essa intuição: quanto mais telinha, menos mielina entre as células nervosas. A mielina isola as células nervosas e aumenta sua conectividade. Ao contrário, quanto mais atividades que envolvem livro, conversa e interação, maiores os efeitos positivos sobre a estrutura do cérebro associada a essas atividades.
Para os leitores interessados em estudos rigorosos e mais recentes, vale a pena acessar o estudo de John Hutton e outros aqui.
Os resultados desse estudo mostram que o acesso à telinha para além do tempo recomendado pela Associação Pediátrica Brasileira (que acolhe as normas da APA norteamericana) está associado à:
– menor organização microestrutural e mielienização dos canais neuronais que apoiam a linguagem e as habilidades de aprendizagem da leitura
– menor desempenho em avaliações cognitivas
O cérebro é dotado de plasticidade, tem poder de se adaptar e recuperar alguns danos e o tempo perdido. O temor dos pediatras e dos neurocientistas é que o poder sedutor da telinha pode – e já está – limitando as interações, as relações e o engajamento das crianças com os adultos.
A mensagem não é negativa, ao contrário: os pais são insubstituíveis. A paternidade/maternidade envolve interagir, conversar, brincar, cantar, fazer e responder perguntas – e, é claro, ler desde cedo.