É raro que filmes de faroeste tragam em seu elenco principal figuras negras. Isso porque o filão que exalta o estereótipo do herói americano, logo, branco, é ambientado em um período crítico da história americana, entre os séculos XIX e XX, quando a escravidão estava em vias de ser abolida e, em seguida, a população negra viveria sob a opressão da segregação racial. Assim, os negros foram excluídos de um dos mais prolíficos gêneros do cinema. Vingança & Castigo, da Netflix é um dos exemplares que reverte essa “regra”. O filmaço de elenco estrelado, com nomes como Idris Elba e Regina King, é inspirado em caubóis reais pouco conhecidos da história americana. O filme de Jeymes Samuel cria uma trama fictícia para colocar todos no mesmo cenário, em um roteiro de disputa, romance e violência, embalado em cenas hipnóticas.
Na história, Nat Love (Jonathan Majors) é líder de uma gangue que rouba outras gangues. No fundo, sua meta é se vingar e matar o assassino de seus pais, Rufus Buck (Idris Elba), um mercenário que conduz os mais perigosos foras da lei do Velho Oeste. Confira a seguir quem foram as pessoas retratadas no filme com muita liberdade poética.
Nat Love
O protagonista vivido por Jonathan Majors foi um habilidoso caubói e cuidador de gados, que ficou famoso por ganhar um concurso de tiros em Deadwood, no estado da Dakota do Sul. Nat nasceu em 1854, no estado do Tennessee, e conseguiu sua alforria ao fim da Guerra Civil americana, deixando a região sozinho aos 15 anos de idade. Trabalhou em ferrovias e como cuidador de animais em sua fazenda. Em 1907, foi o primeiro (e provavelmente único) caubói a lançar uma autobiografia. Morreu aos 67 anos.
Rufus Buck
Descendente de africanos escravizados e de nativos indígenas, Rufus Buck (vivido por Idris Elba) foi enforcado aos 18 anos de idade, em 1896, cerca de um ano depois de seu pior ato. Liderando uma gangue de criminosos no Arkansas, Buck roubou, estuprou e matou diversas pessoas, brancas, negras e indígenas, em uma ação para afastar os colonizadores europeus da região. Claramente, o filme toma emprestado apenas o nome e a vilania de Buck – Idris Elba tem 49 anos, nenhum traço indígena e é um vilão inescrupuloso, mas esperto e sedento por poder.
Mary Fields
Uma mulher que gostava de armas e bebidas, Mary Fields nasceu escrava e conquistou a liberdade ao fim da Guerra Civil americana. Ela começou sua vida livre trabalhando em conventos, como zeladora, mas seus modos tidos como rudes, aliado ao uso de roupas masculinas, a levaram a outros caminhos. Em 1895, ela se tornou a primeira mulher afro-americana a ser contratada como carteira. Ficou conhecida por ser uma profissional confiável no transporte de correspondências de valor, já que afrontava possíveis ladrões com sua espingarda. Morreu aos 82 anos, aposentada e cuidada pela comunidade onde vivia. No filme, Mary é vivida por Zazie Beetz, uma durona dona de salões rápida no gatilho.
Cherokee Bill
Apelido de Crawford Goldsby, Cherokee Bill, vivido por Lakeith Stanfield, é, no filme, um dos capangas de Rufus Buck – provavelmente ambos nunca se conheceram na vida real. Goldsby foi um famoso fora da lei de uma gangue conhecida como Cook Gang. Mestiço, com ascendência africana, mexicana, europeia e indígena, seu tom de pele claro o habilitava a fingir ser branco quando era conveniente. O grupo começou roubando viajantes e cavalos, antes de evoluir para vilarejos e bancos. Ele matou no mínimo dez pessoas antes de ser preso – ainda matou um guarda tentando fugir. Foi enforcado aos 20 anos de idade, condenado à morte pela Justiça. Diz a lenda que, ao ser questionado quais seriam suas últimas palavras, ele teria dito: “Vim aqui para morrer, e não para fazer um discurso”.
Treacherous Trudy
O real nome de Treacherous Trudy (Trudy Traiçoeira em português) era Gertrude Smith. Vivida por Regina King, é a personagem com menos informação disponível. Mesmo assim, o diretor fez questão de criar para ela uma trama. No filme, Trudy é uma mulher durona e perigosa, braço direito de Rufus Buck. Na vida real, sabe-se apenas que ela era uma batedora de carteira que viajou por diversos lugares nos Estados Unidos e cometia os furtos ao lado de outra mulher.
Bass Reeves
O xerife Bass Reeves, interpretado por Delroy Lindo, foi, na vida real, o primeiro negro a entrar para a polícia no Mississippi. Ex-escravo e analfabeto, Reeves memorizava os mandados de prisão de cada suspeito. Ele lutou na Guerra Civil americana e escapou para o território indígena que fazia divisa com o Estado. Lá se tornou agente da lei e o primeiro oficializado pelo governo americano na região. Sua história, digna de cinema, conta com episódios como quando ele se vestiu de mendigo e ganhou abrigo de dois criminosos – mais tarde, presos por ele. No total, dizem que Reeves prendeu mais de 3.000 criminosos fugitivos, sendo assim um dos policiais mais bem-sucedidos da história americana. Morreu aos 72 anos, de uma doença nos rins.