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Por Amanda Capuano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
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‘Estrelas Além do Tempo’: história real é ainda mais otimista

As mulheres negras que trabalhavam na Nasa eram ainda mais ousadas que suas personagens no cinema

Por Mariane Morisawa, de Los Angeles
Atualizado em 4 jun 2024, 19h25 - Publicado em 24 fev 2017, 18h47
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  • Estrelas Além do Tempo conta uma história praticamente desconhecida e quase inacreditável: nos anos 1960, quando as leis de segregação racial ainda estavam em vigor nos Estados Unidos, um grupo de mulheres negras foi fundamental para o avanço tecnológico que permitiu a ida do primeiro americano ao espaço, atuando como “computadores”, responsáveis pelos complicados cálculos matemáticos envolvidos na missão. O longa-metragem dirigido por Theodore Melfi, que está em cartaz no Brasil, concorre a três Oscar no domingo – melhor filme, atriz coadjuvante (Octavia Spencer) e roteiro adaptado. É baseado num livro de não-ficção de Margot Lee Shetterly, que só foi lançado em setembro nos Estados Unidos. Estrelas Além do Tempo foca na história de três dessas mulheres: Katharine Johnson (Taraji P. Henson), que fez os cálculos de reentrada da cápsula espacial levando o astronauta John Glenn, Dorothy Vaughan (Octavia Spencer), uma das únicas supervisoras negras da agência, e Mary Jackson (Janelle Monáe), a primeira engenheira negra da Nasa. Como costuma acontecer nos filmes de ficção, nem tudo aconteceu exatamente como está na tela. A cronologia ficou um pouco bagunçada e a liberdade poética foi usada sem medo. Porém, vale perceber que as personagens, na vida real, pareciam ser ainda mais ousadas que suas representações no cinema. O blog É Tudo História leu o livro de Shetterly para distinguir realidade e invenção:

     

    Pequeno prodígio

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    Katherine, então chamada Coleman (Johnson era o sobrenome de seu segundo marido), aparece fazendo cálculos complicados, pequena ainda. Os pais tinham recebido a notícia de que uma escola de ensino médio de prestígio, voltada para negros, tinha aceitado a menina, então na sexta série. De fato, ela sempre foi precoce, formando-se no ensino médio aos 14 e entrando na faculdade, com uma bolsa de estudos integral, aos 15. “Katherine contava o que visse pela frente – pratos, degraus, e estrelas no céu. Insaciavelmente curiosa sobre o mundo, a criança enchia os professores de gramática com perguntas e pulou da segunda para a sexta série”, escreve Shetterly no livro.

     

    Carona e escolta policial

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    Logo depois dos créditos, Katherine, agora Goble (nome de seu primeiro marido), Mary Jackson e Dorothy Vaughan estão paradas na beira da estrada. O carro quebrou, e Dorothy tenta consertá-lo. Elas estão preocupadas em chegar atrasadas ao trabalho. Um policial se aproxima, o que é motivo de preocupação para as três mulheres negras – em 1961, as leis de segregação ainda estão em vigor, especialmente no Estado da Virginia. Elas mostram suas credenciais, falam que trabalham no programa espacial, e o policial, movido pelo patriotismo, acaba escoltando o carro levando as três para que cheguem mais rapidamente ao seu destino. Na realidade, as três se conheciam – Dorothy foi supervisora das outras duas –, mas não chegavam a ser tão próximas. Dorothy nunca aprendeu a dirigir. Katherine  ia de carona com Eunice Smith para o trabalho. A cena serve mais para mostrar como o patriotismo fazia parte da corrida espacial entre Estados Unidos e União Soviética, que na época já tinha colocado um satélite em órbita, o Sputnik. E que o racismo ainda era forte.

     

    Departamento segregado

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    Katherine, Dorothy e Mary trabalham no West Computing Group, um prédio sem nenhum charme, com chão de concreto. Ali só trabalham as mulheres negras que atuam como “computadores”. As brancas ficam em outro grupo, o East Computing Group. Os dois departamentos existiram mesmo e eram segregados. Mas foram dissolvidos em 1958, antes, portanto, do grosso da ação do filme (a partir de 1961).

    Dorothy luta para ser supervisora

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    Dorothy Vaughan é a supervisora de fato do West Computing Group, mas não tem o cargo, nem o salário. Ela pergunta sobre sua situação para Vivian Mitchell (Kirsten Dunst), uma personagem fictícia. “Esta é a NASA, para você”, responde Mitchell. “Rápida com foguetes. Devagar com o avanço.” Na verdade, Dorothy ficou dois anos esperando para ganhar o cargo, mas entre 1949 e 1951. Foi supervisora entre 1951 e 1958, a primeira negra a ocupar a posição. Sua frustração real viria ao final desse período, quando ficou esperando por uma nova promoção, que nunca veio. “Dorothy manteve segredo, contando à família por alto sobre sua decepção final”, escreve Shetterly. “Provavelmente, ela tinha esperado servir seus últimos anos como chefe de departamento, reconquistando o cargo que teve entre 1951 e 1958.”

     

    Katherine perto das estrelas

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    A matemática é transferida para o departamento responsável pelo cálculo da ida do homem ao espaço. O supervisor é Al Garrison (Kevin Costner). Quando Katherine entra na sala, tem a impressão de que todos olham para ela. “Eles nunca tiveram uma pessoa ‘de cor’ aqui, Katherine. Não me faça passar vergonha”, diz Vivian Mitchell. Um engenheiro entrega a Katherine uma lata de lixo, confundindo a “computadora” com uma faxineira. Na verdade, Katherine não era a única mulher negra no departamento. Al Garrison é uma composição de vários chefes que ela teve – Henry Reid, um deles, era conhecido por não gostar de trabalhar com mulheres. De fato, Katherine achou que um dos engenheiros olhou estranho e saiu quando ela chegou. “Katherine tinha uma escolha: ou ela podia decidir que sua presença tinha provocado sua partida, ou ela podia apenas presumir que o sujeito tinha terminado seu trabalho e seguido adiante. Katherine era a filha de seu pai, afinal. Ela exilou os demônios num lugar onde não podiam fazer mal, então abriu seu saco de papel e comeu seu almoço na sua nova mesa, sua mente focando na sorte que tinha tido de estar ali”, escreve Shetterly. Depois de duas semanas, Katherine estava amiga do tal engenheiro. Sempre disse que nunca sentiu discriminação ali, que todos estavam para trabalhar e até jogavam bridge na hora do almoço.

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    Corrida ao banheiro

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    Num dos momentos que mais exemplificam as dificuldades enfrentadas pelas mulheres negras, Katherine precisa ir ao banheiro e descobre que só há unidades destinadas a mulheres negras no antigo prédio do West Computing Group. Ela perde muitos minutos todos os dias, correndo até lá, levando os cálculos que precisa fazer, às vezes embaixo de chuva. Um dia, quando Al Garrison lhe dá uma bronca por conta de seus sumiços durante o dia, ela explica a razão. Garrison destrói a placa que identifica os banheiros. Na verdade, foi Mary quem teve de correr ao banheiro do West Computing Group quando estava trabalhando no prédio do East Computing Group. Katherine nunca nem percebeu que os banheiros eram segregados. Depois de muito tempo, foi advertida de que estava usando o banheiro para brancas. “Na ocasião, ela simplesmente se recusou a mudar seus hábitos – recusou-se até a entrar num banheiro para negras. E pronto. Nunca mais ninguém disse palavra sobre o assunto”, escreve Shetterly.

     

    Cafeteria para negros

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    Durante algum tempo, também houve uma área na cafeteria apenas para negros em Langley. Uma das matemáticas retirou a plaquinha que marcava a divisão. O sinal foi recolocado, e ela tirou novamente. No filme, Katherine, Mary e Dorothy aparecem almoçando numa cafeteria só para negros. Na realidade, Katherine tomou a decisão de trazer seu almoço de casa e comer na sua mesa. Havia uma razão econômica, prática (a cafeteria ficava longe) e de saúde (ela trazia um almoço mais saudável). Mas não apenas: “Para Katherine, também havia o benefício de remover a cafeteria segregada de sua rotina diária, outro lembrete do sistema de castas que teria limitado seus movimentos e pensamentos”, segundo o livro.

     

    Novo amor

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    Katherine Goble, viúva, mãe de três filhas pequenas, conhece o Coronel Jim Johnson (Mahershala Ali) numa reunião depois do culto na igreja. Tempos depois, ele propõe casamento – assim ela vira Katherine Johnson, o nome pelo qual ficaria conhecida. Na realidade, as filhas de Katherine já eram adolescentes que preparavam o jantar e passavam suas roupas quando ela conheceu Jim, um capitão do Exército, na igreja.

     

    Astronauta amigo

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    Um evento especial apresenta os astronautas do Mercury 7, entre eles John Glenn (Glen Powell), que se tornaria o primeiro americano na órbita da Terra. Dorothy, Katherine e Mary estão na recepção, e Glenn faz questão de cumprimentá-las, perguntando o que fazem. Mais tarde, ele e Katherine se encontram novamente, numa reunião. No fim, Glenn exige que Katherine confira os números dados pelo computador (agora, a máquina) sobre sua partida e chegada à Terra. “Se a garota disser que os números estão certos, estou pronto para ir”, disse. Na realidade, o livro faz breve menção sobre o evento com a presença dos Mercury 7 (que foi em 1959) e não deixa claro se as três teriam mesmo conhecido Glenn, nem que Katherine o teria encontrado numa reunião. Apenas diz que, se os engenheiros confiavam em Katherine, e Glenn confiava nos engenheiros, logo Glenn confiava em Katherine. Por isso pediu para ela conferir os números, dizendo a frase que aparece no filme.

     

    O computador é o futuro

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    Com a chegada de um computador IBM do tamanho de uma sala, Dorothy percebe logo que os dias dos “computadores”, as mulheres que fazem os cálculos, estão contados. Mas a máquina é tão nova e sofisticada para a época que ninguém sabe operá-la. Dorothy chega a “roubar” um livro sobre a linguagem dos computadores na biblioteca – o volume estava numa área destinada apenas a brancos. Depois entra escondido na sala, pega o manual e aprende a programar. Na vida real, Dorothy Vaughan percebeu mesmo que o futuro para as matemáticas da Nasa era se tornarem programadoras. Ela fez alguns cursos sobre o assunto. Com a extinção do West Computing Group, tornou-se programadora dos computadores, junto com outras mulheres.

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    Mary luta para ir à escola

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    Instigada por seu chefe, Mary Jackson quer se tornar engenheira. Para isso, precisa frequentar uma escola para brancos – a segregação já tinha sido derrubada pela Suprema Corte, mas o Estado da Virginia desobedecia a ordem. Ela resolve então ir à Justiça para obter uma autorização especial, fazendo sua própria defesa na frente do juiz. Mary Jackson teve mesmo de pedir autorização especial para estudar numa escola para brancos, mas seu pedido foi feito à cidade. Ela se tornou a primeira engenheira negra da NASA em 1958.

     

    Katherine briga para entrar nas reuniões

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    No filme, o engenheiro principal do projeto, Paul Stafford (Jim Parsons), vive tentando impedir Katherine de ter acesso às informações. Paul passa seus cálculos para ela conferir com áreas escondidas por caneta preta, recusa que Katherine assine relatórios em conjunto e impede que ela participe de reuniões com o Alto Comando para poder fazer a matemática mais rapidamente, já que muita coisa muda o tempo inteiro. Paul Stafford é um personagem criado para o filme. Katherine, na verdade, assinou diversos relatórios e estudos. Mas, de fato, teve de brigar para entrar em reuniões dos engenheiros, feitas a portas fechadas. “Por que não posso ir às reuniões?”, ela perguntou, segundo o livro de Shetterly. “Garotas não vão às reuniões”, foi a resposta de seus colegas homens. Ao que ela respondeu: “Existe uma lei proibindo?”. Depois de insistir algumas vezes, ela conseguiu a permissão.

     

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