O impeachment foi criado pelos ingleses para punir os ministros do rei que cometiam crimes graves ou contravenções. O primeiro aconteceu em 1376. Entre as causas usadas para destituir ministros (incluindo o primeiro-ministro) estavam o desvio de recursos públicos, a negociação de tratados internacionais prejudiciais e tentativa de rebelião.
O último impeachment ocorreu em 1806. Desde então, os ingleses nunca mais recorreram a esse artifício. Por quê?
A principal razão para isso é que, no parlamentarismo inglês, há maneiras muito mais simples, rápidas e menos dolorosas de afastar um chefe de governo. Elas não envolvem investigações longas, interpelações e julgamentos. Dependem apenas da disputa de forças no jogo político.
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A saída de um primeiro-ministro pode acontecer nas seguintes ocasiões:
1. Quando o partido do primeiro-ministro perde a maioria na Câmara
Na Inglaterra, os membros do Executivo derivam do Legislativo. O primeiro-ministro e todos os membros do seu gabinete, sem exceção, são deputados que foram eleitos. Todos pertencem ao mesmo partido ou à mesma coalizão. Quando a legenda perde a maioria na Câmara dos Comuns, seja em uma eleição normal ou em uma antecipada, todos os membros do governo devem renunciar.
2. Quando o partido do primeiro-ministro o rejeita
O primeiro-ministro da Inglaterra é também o líder de seu partido. Se os demais membros do partido retiram o apoio a ele e escolhem outro líder, então não há mais o que fazer. Em 1990, o Partido Conservador jogou contra a primeira-ministra Margareth Thatcher. Nas eleições internas do partido, ela foi desafiada duas vezes e venceu a última por um triz: quatro votos. Sem autoridade para seguir governando, Thatcher renunciou ao cargo de primeiro-ministro.
3. Quando o primeiro-ministro pede para sair
Isso pode acontecer por razões pessoais ou para garantir a unidade partidária. Foi esse o caminho de David Cameron, que entendeu não ser a pessoa apropriada para conduzir a saída da União Europeia, o Brexit. Foi assim também com Tony Blair, do Partido Trabalhista, que perdeu popularidade com a Guerra do Iraque e deixou o cargo em 2007. Ele foi substituído por Gordon Brown, também trabalhista.
Em tempo: Investigações contra crimes graves e contravenções continuam existindo. A diferença é que elas não são conduzidas por políticos. “A Promotoria da Coroa (Crown Prosecution Service, em inglês) e os tribunais independentes estão lá para julgar os deputados por corrupção. De acordo com o princípio da separação entre os poderes político e judicial, cada esfera tem a sua própria área de responsabilidade”, diz a historiadora e cientista política inglesa Oonagh Gay, que trabalhou por trinta anos na Biblioteca da Câmara dos Comuns, em Londres.
Na Inglaterra — e isso é uma enorme diferença — os deputados não possuem foro privilegiado. Eles são julgados pelos seus crimes por tribunais comuns. “Fundamentalmente, legislaturas ao estilo europeia adotaram um caminho diferente na época de Napoleão Bonaparte, em relação a privilégios concedidos aos deputados. O Reino Unido e os Estados Unidos seguiram com a tradição antiga, segundo a qual os membros do Parlamento estão sob a mesma lei de todos os demais cidadãos”, diz Oonagh Gay.
Sem o privilégio legal do foro, os deputados ingleses estão muito mais propensos a serem julgados e pensam duas vezes antes de começar uma malandragem. Casos de corrupção existem, mas são raríssimos. Em 2010, alguns membros do Congresso foram enviados para a prisão por motivos diversos, como falsificar recibos e contabilidade fraudulenta.
Outro ponto que inibe o julgamento dos pares em um impeachment é que, como o sistema político inglês privilegia dois partidos, há uma clara consciência de que os que hoje estão na oposição um dia estarão no governo. Se abusarem das prerrogativas políticas para prejudicar os colegas deputados da situação em um impeachment, eles sabem que, com a mudança de turno, poderiam se tornar o próximo alvo. Mais recomendável, portanto, deixar esse trabalho aos cuidados dos juízes.