Qualquer um que mate um boi ou uma vaca em Cuba pode pegar até dez anos de prisão. O delito, tipificado no Código Penal, é um mais severos na visão do Partido Comunista. Para um homicida, a pena costuma ser de sete anos de cárcere.
Antes da Revolução Cubana de 1959, liderada por Fidel Castro, a ilha possuía vários pequenos e médios pecuaristas. Eles cuidavam de cerca de 6000 cabeças de gado. O negócio atraía algumas empresas americanas, principalmente texanas, que exportavam a carne para os Estados Unidos. Não havia problema algum em matar uma vaca.
Com o avanço do comunismo na ilha, essa classe média de proprietários rurais foi um dos grupos que se revoltaram contra o novo sistema. Por isso, a província de Camaguey, onde se concentravam esses pecuaristas, foi uma das que mais sofreu a repressão do governo revolucionário. Foi lá onde criaram-se as Unidades Militares de Ajuda à Produção (Umaps), os campos de trabalho forçado para onde eram enviados todos os que eram considerados contrarrevolucionários. A lista incluía gays, alcoólatras, testemunhas de Jeová, sacerdotes cristãos, artistas, intelectuais, usuários de maconha e, claro, camponeses e pecuaristas insatisfeitos. As Umaps funcionaram entre 1965 e 1968.
Além do controle político, houve uma estrangulação econômica. Após a Segunda Lei de Reforma Agrária, de 1963, o governo confiscou animais e vários meios de produção, como tratores e colheitadeiras.
Descontentes com os rumos do país e famintos, muitos camponeses começaram a matar os bichos para consumo próprio.
Sob o risco de os bois e vacas sumirem do pasto, o que afetaria a oferta de carne e de leite, várias leis foram criadas para coibir o abate ao longo do tempo. Em 1962, Fidel anunciou que o gado deveria ser poupado para “salvar nossa riqueza pecuária” e produzir no futuro “o dobro ou o triplo de carne”. Em 1979, o delito foi tipificado no primeiro Código Penal. Em 1997, um decreto foi publicado para conter a tentação de abater um animal para encher a barriga durante a escassez do período especial, quando a União Soviética retirou o apoio para a ditadura caribenha.
A burocracia imposta aos produtores tem contornos kafkanianos, como mostra o relato da jornalista Inalkis Rodriguez Lora, para o jornal La Hora de Cuba.
Logo que nasce, o bezerro ganha um certificado, como se fosse um RG. Seu dono deve levá-lo em até 30 dias para uma agência estatal para declará-lo. A visita deve ser repetida quando o animal completa 1 ano e 2 anos.
Se a vaca morre no pasto, o sufoco é enorme. Para provar que não a matou por sua própria vontade, o pequeno produtor deve chamar um veterinário, que retira as vísceras do animal e leva tudo para um laboratório para que a causa da morte possa ser diagnosticada. O processo deve ser concluído em até dez dias. “Este trâmite é pouco provável que se cumpra, porque os resultados do exame quase nunca chegam antes do prazo. O que faz o veterinário do município? Ele simplesmente diz o que ele acha que foi a causa do falecimento”, escreveu Inalkis Rodriguez, de Camaguey.
A carne do animal morto é obrigatoriamente vendida ao governo, que paga por ela um valor irrisório. Nas lojas estatais, o preço dos pedaços de carne custa de dez a 25 vezes o valor que é pago aos produtores.
Nestas lojas, um quilo de carne custa cerca de 18 pesos conversíveis (cuc), cerca de 20 dólares. É o equivalente ao salário médio mensal de um cubano.
Os proprietários que ainda restaram em Cuba são obrigados a vender leite para o Estado. Hoje, o litro adquirido dos produtores é revendido nas lojas administradas pelo governo por um preço sessenta vezes maior. Caso o camponês seja flagrado fazendo queijo com seu leite, ele pode perder o seu sítio.
Com todas essas dificuldades, o rebanho cubano nunca voltou aos níveis de antes da Revolução. Atualmente, está calculado em 4000 cabeças, 2000 a menos do que havia há seis décadas.