Democracia é um jogo complicado. O melhor entre os piores, conforme ensinou Winston Leonard Churchill, primeiro-ministro inglês autor do discurso de posse, em 1940, em que anunciava ao povo tempos de “sangue, suor e lágrimas”. Por sua resistência às falsas propostas de acordos de Hitler, salvou o Reino Unido e o mundo (com a determinante adesão dos Estados Unidos) da dominação nazista, o que não o impediu de perder a eleição seguinte ao fim da II Guerra.
Democracia é um jogo complicado. Nem sempre se elegem os melhores. Em 1989 havia um cardápio de candidatos que ia de Roberto Freire a Mário Covas, passando por Ulysses Guimarães, e o eleitor brasileiro pós-ditadura preferiu Fernando Collor, a quem logo iria “despreferir”, por motivo de corrupção ativa.
Nas eleições seguintes o eleitor contrariou as previsões que davam Lula como predileto e elegeu e reelegeu Fernando Henrique Cardoso no primeiro turno, devido aos ganhos do Plano Real. Encerrou-se ali o breve ciclo de escolhas racionais. Em 2002 o país poderia optar entre o evidente avanço que significaria a eleição do mais que qualificado José Serra e a aventura supostamente esquerdista representada por Luiz Inácio da Silva.
Não apenas o histórico de ambos mas principalmente os embates na televisão deixavam claro quem estava mais preparado para dirigir o Brasil. Era nítida a diferença entre o senso e o dissenso, porém o eleitorado preferiu arriscar. Deixou de lado o que hoje está muito claro que representaria um avanço inequívoco para o país. O Brasil teria seguido outro rumo (muito melhor) com Serra sucedendo a FH na Presidência.
Esse esquisito gosto pela falta de qualificação (em vários aspectos, diga-se) na escolha de governantes se manifestaria de novo com a reeleição de Lula, a despeito da já então conhecida série de escândalos cujo carro-chefe seria o caso do mensalão, e se repetiria mais duas vezes com Dilma Rousseff. A presidente que se tornaria alvo de piadas por sua maneira peculiar de falar e raciocinar era a mesmíssima de quando ministra-chefe da Casa Civil e depois candidata à Presidência. O que mudou foi o humor da população. Na eleição a cigana não enganou ninguém.
Quem quis (a maioria, por sinal) deixou-se levar. E de novo agora, quando os deliberadamente desavisados se surpreendem com a falta de preparo de Jair Bolsonaro para o exercício da Presidência. A evidência mais explícita, por internacional, deu-se na pífia apresentação em Davos. Além do minguado conteúdo (já presente nos pronunciamentos quando da vitória e da posse), o presidente mostrou-se deslocado em seu provincianismo naquele ambiente de marca global.
Lições de mundo sempre podem ser aprendidas, mas as herdadas “de casa” pesam negativa e definitivamente, conforme demonstra o conteúdo do baú familiar de cometimento de delitos típicos de baixo clero (uso de laranjas, contratação de funcionários-fantasma) e outros atinentes a obras mais pesadas como a proximidade com agentes de milícias. E o governo mal começou. Donde convém apertar os cintos.
Publicado em VEJA de 30 de janeiro de 2019, edição nº 2619