A fim de lidar com a vida como ela é, tratemos logo de início de deixar de lado o artifício do falso equilíbrio factual e vamos ao fato: a eleição está decidida. Não apenas porque as pesquisas indicam uma dianteira consolidada e crescente de Jair Bolsonaro ante o aumento da rejeição a Fernando Haddad, mas principalmente porque os petistas já fizeram tudo o que podiam (não necessariamente o que deveriam) sem obter efeito algum, e o candidato do PSL não precisa fazer mais nada para alcançar o resultado pretendido.
À extensa lista de infrações legais e morais cometidas ao longo de três governos e meio, nesta campanha já em via de chegada o PT acrescentou erros crassos equivocadamente tratados no noticiário como “estratégias”. Da insistência na candidatura impossível de Luiz Inácio da Silva ao dístico “Lula livre”, indo pela retomada programática do passado e culminando com a conversão súbita ao dito pelo não dito no segundo turno, o partido só fez reforçar as razões do modelo rejeitado pelo eleitorado que Bolsonaro soube cooptar, jogando com a manipulação de emoções negativas.
Mas tudo isso caminha para um terreno de águas passadas que ao PT caberá revolver ou insistir em nelas navegar. Daqui a praticamente uma semana, o país estará diante de nova realidade à qual vai precisar se adaptar. E nesse barco estamos todos nós: os de oposição e os de situação. Aos vencedores, aí incluídos os governantes e seus eleitores adeptos do lema “É melhor já ir se acostumando”, conviria que também fossem se acostumando com um cenário que provavelmente não seja aquele contido nas respectivas imaginações e projeções exacerbadas.
Um país diverso, complexo, provado, comprovado e aprovado nos vários testes de firmeza institucional a que foi submetido desde a redemocratização não pode nem aceita ser dirigido como um quartel. A sociedade brasileira resistiu e continua resistindo a investidas autoritárias e a manobras de caráter infrator, muitas tentadas pelo PT, que não conseguiu manipular o Judiciário como pretendia, não obteve êxito em controlar os meios de comunicação nem pôde levar a termo o plano de conquistar hegemonia absoluta sobre grupos, pessoas, partidos, instituições e entidades inicialmente traçado por seus dirigentes. Outras dessas tentativas foram engendradas pelo Congresso para “estancar a sangria” das investigações de corrupção e acabaram por varrer seu mentor-mor (Romero Jucá) do mapa do Parlamento.
Retrocesso não é ato unilateral de vontade, muito menos num ambiente eivado de contraditórios como o nosso. Se os candidatos foram obrigados a amenizar seu discurso, por mais razão terá o eleito de se enquadrar nos ditames da Constituição. Quanto mais poder, mais cuidado para exercê-lo terá de ter quem não pretende perdê-lo antes do tempo regulamentar. A regra será ditada pela sociedade, pois é a ela que cabe a prerrogativa de poder moderador. Inclusive para moderar a si e a seus radicais. Não o fez com o PT quando era tempo, e deu no que deu.
Publicado em VEJA de 24 de outubro de 2018, edição nº 2605