Francamente, alguém acredita que o rumo do governo e o projeto de reeleição de Jair Bolsonaro serão definidos pela presença de Baleia Rossi ou Arthur Lira na presidência da Câmara dos Deputados?
Os dados de realidade nem sempre são agradáveis e raramente se enquadram ao universo onde se batalha pela opinião do público. Portanto, há na plateia muita gente disposta a acreditar que com Rossi eleito o Brasil estará a salvo de Bolsonaro e cairá irremediavelmente sob o domínio do (des)governante de turno se o vitorioso for Lira.
Para frustração dos entusiastas dessas hipóteses, não ocorrerá uma coisa nem outra. Primeiro porque Bolsonaro não tem paciência nem competência para dominar a Câmara e, segundo, porque no campo das ideias os dois candidatos são muito parecidos.
As fabulações sobre submissão total de um e oposição ferrenha de outro servem para manter a chama acesa do debate acerca do destino de Bolsonaro, animam as torcidas, mas não resistem à luz da vida como ela é.
E na Câmara a vida real é assim: deputado gosta de fidelidade à palavra empenhada, da sensação de acolhimento político e/ou pessoal, da ocupação de espaços legislativos, da atenção materializada no acesso ao gabinete do presidente da Casa e de ser ouvido por ele como se fosse o único.
O jogo ali é parlamentar, cujas regras são muito diferentes das que regem a dinâmica eleitoral. Ou é crível que o apoio nominal dos partidos de esquerda a Rossi signifique chance de aliança desse campo com o centro daqui a dois anos? A direita contrária a Bolsonaro também não deixará de se unir ao centro independentemente da posição assumida na eleição da Câmara. A próxima presidencial será definida pela economia, pelo desempenho dos governantes na vacinação e, claro, pela arquitetura política dos pretendentes.
“É fantasiosa a ideia de que a eleição na Câmara definirá o rumo de Bolsonaro”
Às vezes a ligação de um tema ao outro até atrapalha. O caso de Rodrigo Maia ilustra isso: ainda que tivesse condições legais, ele declinaria num misto de gesto de desprendimento e consciência de que teria dificuldades para se reeleger. Por duas razões: ausência daqueles quesitos enunciados acima como os preferidos dos deputados e existência de projeto eleitoral para 2022.
Tais fatores conspiram contra o candidato de Maia, por muitos visto como títere dele, enquanto Lira, além de prometer compartilhar o comando com o coletivo, tem, no máximo, planos de se reeleger em 2023, o que o obriga a cumprir os compromissos agora assumidos com seus pares. Não digo que assim será, mas é assim que muitos deputados analisam o quadro para definir seus votos.
Será uma eleição disputadíssima porque as posições estão em aberto, a despeito de a contabilidade partidária dar larga vantagem a Baleia Rossi, hoje tido como dono de quase 280 votos contra cerca de 200 para Arthur Lira. Fala-se muito em traições, mas a denominação não corresponde aos fatos.
Os partidos decidiram formalmente os apoios, mas em todas as bancadas há divisões significativas de lado a lado. Os dissidentes no máximo atuam discretamente, embora não façam questão de se esconder, muito menos de firmar promessas explícitas. Os dirigentes das legendas tampouco se ocupam a sério em produzir ameaças de retaliações.
Isso tem a ver com a consciência geral de que há mais semelhanças a unir que diferenças a separar os dois oponentes quando se fazem projeções sobre a presidência de um e de outro. Ambos são conciliadores, não têm o perfil de um ferrabrás tipo Eduardo Cunha, assumiram posições similares em votações de temas caros ao campo ideológico ao qual pertencem e nada farão que contrarie o espírito geral da Casa.
Por exemplo, a tal pauta de costumes continuará sem andar a despeito da vontade de Bolsonaro, porque determinados retrocessos não passam na sociedade. O impeachment só depende formalmente do presidente da Câmara. Na prática é agenda submetida a condições políticas e sociais, como demonstrado pela gaveta de Rodrigo Maia onde dormem 58 pedidos de impedimento.
Existem diferenças, no entanto. A folha corrida de Lira com denúncias de peculato, lavagem de dinheiro, sonegação de impostos e improbidade administrativa é uma delas. Outra é que pega mal votar em candidato de Bolsonaro. Em tese, favorecem Baleia Rossi. Mas, se valem muito para o público externo, não chegam a mobilizar sensibilidades internas numa eleição em que o voto secreto é a alma do negócio.
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Publicado em VEJA de 13 de janeiro de 2021, edição nº 2720