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Dora Kramer

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Levou, bateu

Bolsonaro prefere a grosseria ao risco de cair em contradição

Por Dora Kramer Atualizado em 4 jun 2024, 15h31 - Publicado em 28 ago 2020, 06h00
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  • É da natureza dos ressentidos reagir a questões desagradáveis com agressividade. Quando a essa condição se aliam a falta de educação e a culpa no cartório, a coisa piora. Desanda de vez caso o personagem seja detentor de algum tipo de poder. Enquadra-se no perfil o presidente Jair Bolsonaro, cujo patrimônio nesse aspecto foi herdado por quatro de seus cinco filhos, conforme observamos constantemente.

    Esses tipos estão sempre na defensiva, embora tal comportamento não lhes sirva como defesa eficaz. É o caso da aflição do presidente em relação a qualquer coisa que se refira às transações financeiras de Fabrício Queiroz com a família, em particular a reação no modo ogro a uma pertinente pergunta do repórter de O Globo sobre a origem do dinheiro e as razões pelas quais o ex-assessor e a mulher, ora em prisão domiciliar, depositaram 89 000 reais na conta bancária de Michelle Bolsonaro.

    A questionamento semelhante a respeito de outra quantia (24 000 reais) destinada por Queiroz à mulher do presidente e feito ainda antes da posse, Bolsonaro disse que era devolução de um empréstimo de 40 000 reais. Poderia agora ter dito algo parecido, mas o agravamento da situação de lá para cá, com o surgimento de indícios e versões contraditórias, reduziu a margem de manobra.

    “A opção pela rispidez tem o objetivo de não abrir flanco aos investigadores das transações da família com Queiroz”

    O recurso às desculpas esfarrapadas abre um perigoso espaço para que qualquer coisa dita hoje em dia pelo presidente possa ser desdita por depoimentos, e até possível delação premiada, de Queiroz e Márcia de Aguiar, ou entre em choque com o relato deles. Donde não restou alternativa ao presidente: mandou logo uma grosseria, externando a vontade de encher o repórter de pancadas, coisa que, visão dele, já estava “precificada” no seu arcabouço de imagem.

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    Melhor que arriscar-se a abrir mais um flanco a ser explorado pelos investigadores dos crimes de peculato e lavagem de dinheiro originados na prática da divisão de proventos entre funcionários do gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e o titular do mandato.

    Nos dias seguintes discutiu-se se o presidente havia aposentado o estilo comedido adotado a partir da prisão de Queiroz, quando o ponto crucial da questão não é a rispidez presidencial, mas a eficácia do método “levou, bateu”. De início, bem-sucedido, mas sem durabilidade.

    Embora não precise responder à pergunta sobre os 89 000 reais enquanto o tema estiver no âmbito da internet e cercanias, Jair Bolsonaro não estará a salvo de fazê-lo em algum momento às instâncias legais competentes. Estas lhe farão indagações tão ou mais embaraçosas na busca de esclarecimentos sobre, por exemplo, a razão da preferência da família pelo uso de dinheiro vivo em detrimento da praticidade de outras operações.

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    Ou, ainda, quem sabe sobre a autoridade moral de um presidente eleito sob a bandeira do combate à corrupção que mantém relações financeiras com alguém assumidamente adepto das práticas “de rolo” para viver. Nessa hora, não poderá bater. Se não quiser levar a pior.

    Publicado em VEJA de 2 de setembro de 2020, edição nº 2702

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