Governar dá trabalho. Para dar certo requer prática, discernimento, experiência e habilidade. Escolher um governante com boa chance de acertar tampouco é tarefa fácil, desde que se dê importância ao ato. Donde o ideal seria que o eleitorado exigisse de si o mesmo e mais um pouco, tendo o preparo da pessoa escolhida como fator determinante numa eleição.
Não tem sido, no entanto, a regra no período de três décadas e meia de redemocratização. Com exceção de Fernando Henrique Cardoso, eleito duas vezes no primeiro turno com base na questão objetiva de gestão, o que temos visto são escolhas referidas em presunções não raro enganosas que no confronto com a realidade mais adiante geraram decepções.
Em 1989 havia 22 opções, entre as quais umas muito boas, outras com certeza bem melhores que o aludido caçador de marajás. Em 2002 deixou-se de lado a continuidade de FH representada por homem (José Serra) de inequívoco preparo em nome da ideia de que Luiz Inácio da Silva seria, afinal, a redenção dos pobres e a salvação do país.
Seguimos na mesma toada nas outras eleições, levando à Presidência a “mulher do Lula”, de novo em detrimento de José Serra, que já havia dado inúmeras demonstrações de competência no ramo de governo, mas era “muito antipático” para nossos padrões de camaradagem. Até que chegamos a Jair Bolsonaro, cujas credenciais serviam no máximo para lhe assegurar lugar no panteão das figuras folclóricas, mas sem atuação consistente em 27 anos de vida no Congresso com destaque meramente caricato.
Diante de tal jornada de escolhas guiadas pelo impressionismo de ocasião, não é de estranhar que o Brasil tenha destronado pela via constitucional dois presidentes e já esteja pensando em impedir um terceiro, no espaço de menos de trinta anos. Isso fala dos mandatários, mas fala, sobretudo, dos respectivos eleitorados.
Não existe uma receita infalível de bom governante, mas existe uma série de atributos a ser observados como uma espécie de checklist para os cidadãos dispostos a almejar a condição de diligente eleitor.
“Um guia de boas práticas pode ajudar eleitores a escolher melhores governantes”
Pensei em algumas dessas características. Deve haver muitas outras que cada um a seu gosto e consciência pode gravar na mente. Colecionar como precioso patrimônio a ser acionado na urna junto com a tecla do nome de sua escolha para governar, pensando numa durabilidade mínima de quatro anos.
Vamos a elas sem juízo de valor sobre a ordem de entrada em cena, porque tudo é importante quando se trata de transferir temporariamente a outrem o destino da nação. Do que é feito um(a) presidente?
1 • De capacidade de liderança.
2 • Da aptidão para que seus atos e palavras sirvam de exemplo e, assim, estabelecer um padrão elevado de ação e pensamento.
3 • De habilidade para detectar, aplacar e/ou evitar crises.
4 • De vocação para promover o entendimento. Vale para o ambiente político e vale para o trato com a sociedade.
5 • Da posse de referências humanitárias de vida.
6 • De boa compreensão da realidade.
7 • Do conhecimento acima do razoável sobre como funciona o mundo.
8 • De perfeito discernimento a respeito dos limites entre o público e o privado.
9 • De paciência extrema quando necessário, tolerância zero se for preciso e sabedoria para distinguir as duas situações.
10 • Da reverência absoluta, religiosa mesmo, à Constituição.
11 • De compreensão do peso e do papel de cada uma das instituições.
12 • Das boas maneiras, dos modos lhanos.
13 • Do respeito ao uso correto do idioma nacional.
14 • Da compreensão estreita sobre as limitações do poder.
15 • Do compromisso inequívoco com o bem-estar coletivo.
16 • De astúcia e conhecimentos suficientes para reunir as melhores pessoas na formação de equipes e saber conduzi-las.
17 • Da serenidade para se conter diante das permissividades do poder.
18 • Do talento para inspirar e motivar as pessoas.
19 • Da propensão para a o exercício da amabilidade combinada com firmeza.
20 • Do senso de urgência para as necessidades do público.
21 • De coragem para fazer o que é preciso, ainda que ao custo de enfrentamentos à primeira vista impopulares.
22 • Da consciência da autoridade inerente ao cargo sem resquício de concessão ao autoritarismo.
23 • Do apreço pela transparência.
24 • De resistência a pressões indevidas.
25 • Da disposição de ceder a demandas pertinentes, ainda que ao custo de recuos.
Desnecessário que o candidato gabarite o teste. Mas inaceitável que não se enquadre em nenhuma das alternativas.
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Publicado em VEJA de 3 de fevereiro de 2021, edição nº 2723