Governantes conflituosos e desagregadores fazem parte da história política aqui e alhures. Questão de personalidade, coisa de gente a quem apraz criar confusão, cultivar desafetos, afastar possibilidades de afetos. É um jeito, e cada um tem o seu, conforme já pontificava aos 5 anos de idade a pequena Bárbara Kramer a pretexto de reivindicar flexibilidade nas (maçantes?) regras maternas. Coisa dos nascidos para negociar.
Diferentes são as maneiras daqueles vocacionados para o embate permanente, cujo estilo não admite a alteridade. Não reconhecem valor na condição de outro, menosprezam o que é distinto, relegam ao plano das irrelevâncias pessoas e situações das quais discordam e as quais consideram equivocadas. Esse é o tipo desagregador que em geral se dá mal, notadamente na política, uma arte que pressupõe e almeja o encontro se não necessariamente das ideias, mas certamente das soluções.
Crises brasileiras estão cheias desses exemplos. O que foi a negociação da transição democrática? Um caso pronto e acabado de elogio à negociação comandada por agentes moderadores do jaez de Tancredo Neves, Franco Montoro, Ulysses Guimarães e companhia, aí incluído José Sarney, que assumiu no susto a Presidência e levou a transição de maneira incrivelmente bem negociada com uma Assembleia Constituinte na rua e um regime militar ainda nos calcanhares.
A eleição direta que se seguiu à retomada do poder civil levou à Presidência um confrontador. Na figura de Fernando Collor, eleito em clima de guerra contra o inimigo que denominou “marajás” em contraponto à conciliação de Sarney, vista à época como malsã condescendência ao sistema de privilégios.
Collor confrontou-se com os parlamentares, aos quais se referia como “essa gente”. Gente que, na oportunidade criada por protestos da sociedade, o derrubou mediante processo de impeachment motivado por denúncias de corrupção. É consenso hoje que não teria caído se tivesse dado valor à institucionalidade do Congresso como representante legítimo da sociedade.
A esse trauma seguiu-se a eleição de dois conciliadores, com intervalo de ocupação da Presidência pelo adepto do atrito Itamar Franco. A despeito do acerto de ter posto FH no Ministério da Fazenda, Itamar perdeu a parada da escolha do candidato à Presidência. Preferia Antônio Britto àquele que lhe controlava os arroubos de temperamento e viria a ganhar duas eleições em primeiro turno por força da capacidade de bancar a equipe de autores do Plano Real e da habilidade de transitar entre os tradicionalmente contrários.
Dois deles, Antonio Carlos Magalhães e Jader Barbalho, seriam vitimados nos respectivos mandatos justamente pelo espírito de confrontação que a ambos assolava. Jader e ACM caíram, e FH prosseguiu. Aos trancos, pois sentiria as perdas na campanha eleitoral de 2001, que no ano seguinte viria a eleger Luiz Inácio da Silva, em sua quarta tentativa para chegar à Presidência.
Foi sucedido por outro conciliador e ao mesmo tempo um ás na confrontação de palanque. Lula se manteve no poder e dele saiu com grande apoio popular, a despeito dos escândalos de corrupção, em boa parte por causa do jeito de ele agregar companhias e se fazer gostar. Até hoje, mesmo preso, é querido e faz sucesso no meio político. Gente que invocava Lula na maior saudade quando Dilma chegou lá.
Logo de início se estabeleceu a diferença entre criador e criatura, que viria a se expressar de modo explícito no segundo mandato, no qual as péssimas relações de Dilma com o Congresso, a sociedade, a lógica e a linguagem não resistiriam à insatisfação com aquele jeito abrutalhado de ser. A presidente caiu por crime de responsabilidade que provavelmente teria sido mitigado não fosse ela uma desagregadora militante.
O estilo faz o homem e a mulher. Na atual conjuntura temos na Presidência um desagregador cujas maneiras de espalha-brasas acrescentam-se às dos filhos e de uma penca de seguidores que não se dão conta do potencial ruinoso contido na escolha da dinâmica do embate permanente. Acreditam que, assim, vão se dar bem por obra das tropas mais fiéis.
Pode até ser, embora a trajetória dos desagregadores não os favoreça e muito menos dê notícia de que seja esse o melhor jeito de se conservarem em seus altos postos. Ao contrário, a história demonstra que os desagregadores foram efêmeros, enquanto os agregadores perduraram. É o que está registrado, à disposição de quem se propuser a aprender. Se não quiser perder o poder num repente e sem saber muito bem por quê.
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Publicado em VEJA de 13 de novembro de 2019, edição nº 2660