Não é clichê de quem estuda Análise Econômica do Direito, ou apenas propaganda desta coluna, dizer que a Economia e o Direito são ciências irmãs. Além de a ciência econômica ter sido criação de um jurista (Adam Smith), o funcionamento de toda a atividade econômica, desde os tempos mais remotos, pressupõe a existência de regras mais ou menos formalizadas, tarefa do Direito. A analogia que ensinamos nos cursos introdutórios das faculdades de Economia é a de Robinson Crusoé, famoso personagem do romance de Daniel Defoe, sobrevivente de um náufrago numa suposta ilha do Pacífico próxima da América do Sul. As lições econômicas dizem que, quando Robison Crusoé começa a planejar as atividades para sua sobrevivência na ilha, a Economia entra em ação. Mas no dia em que ele descobre que não está sozinho, e salva um nativo do destino de virar comida de seus companheiros e passa a conviver com ele (dando-lhe o nome de “Sexta-Feira”), o Direito passou a ser essencial para eles. É o Direito que fornece as regras para convivência entre as pessoas em sociedade, sobretudo quando essas exercem atividades econômicas.
Mas é mais do que isso. O Direito define o resultado econômico. Quais regras são adotadas, qual a qualidade dessas regras, como elas são implementadas, tudo isso terá impacto determinante no resultado econômico. Até algumas décadas atrás, economistas tinham receio de fazer tais afirmações. Afinal, dizer que existem regras normativas “boas”, reconhecer que existem “qualidades” diferentes ou “maneiras” melhores ou piores de implementar uma regra não parece nada objetivo – e objetividade é tudo o que os economistas mais buscam desde que se apaixonaram pelo modelo das ciências físicas no século XIX (e decidiram mudar o nome da economia de political economy para economics, para se parecer mais com o physics e o mathematics).
A grande contribuição da Nova Economia Institucional e sua capacidade de se tornar parte do mainstream do economics poucas décadas após seu nascimento foi justamente ter sido capaz de trazer objetividade a tudo o que foi dito no parágrafo anterior. Por exemplo, a relação positiva entre liberdade econômica e redução de pobreza, crescimento e desenvolvimento econômico, foi demonstrada empiricamente pelos seus mais reputados economistas. Baseando-se em observações históricas, autores como Douglass North e Robert Fogel (ambos ganhadores do Prêmio Nobel de Economia de 1993) enfatizaram a necessidade de instituições (regras) fomentadoras do desenvolvimento econômico, da quais se destaca a liberdade, e não menos a liberdade econômica. Em anos mais recentes, baseado em modelos e evidências mais sofisticadas, o autor consagrado Daron Acemoglu e seus coautores têm contribuído com uma extensa lista de publicações – inteiramente baseadas em evidências empíricas/econométricas. Eles classificam as instituições em extrativas e inclusivas, mostrando como aquelas impedem o desenvolvimento econômico e o bem-estar das populações, enquanto estas, ao contrário, promovem a prosperidade e a diminuição da pobreza. Dentro do grupo de instituições inclusivas, não estranha que a liberdade econômica e a garantia dos direitos de propriedade estejam entre os mais importantes.
Mais do que “simplesmente” garantir a maneira mais eficaz de levar ao desenvolvimento econômico das nações, alguns autores argumentam que a liberdade econômica seria também o único sistema compatível com a democracia. Friedrich Hayek, grande pensador econômico do século XX (também agraciado com o Prêmio Nobel, em 1974), afirmava que a democracia é o único sistema político que garante a liberdade que é necessária às atividades econômicas; por sua vez, a liberdade econômica – calcada no direito às escolhas pelos indivíduos – é o pré-requisito de todas as outras formas de liberdade.
Pergunto se o Brasil como nação está preparado para essas lições. Parece que o Direito brasileiro muitas vezes enxerga o cidadão como alguém que precisa ser protegido porque “é fraco”, é hipossuficiente. Se é fraco, precisa de tutela, se tem tutela, não tem liberdade plena – pelo contrário. É verdade que pensadores como Hayek, e mesmo os institucionalistas, mais recentemente, assumem uma certa “maturidade” nas sociedades que adotam a liberdade econômica, maturidade esta que parece ainda não existir no Brasil. Por que os juristas consideram a sociedade brasileira tão inapta a esta maturidade e responsabilidade, tão despreparada para responder pelas suas próprias escolhas e pela sua própria liberdade é algo que precisa ainda ser compreendido.
Mas para um país como o nosso, com tanta necessidade de geração de renda para seus cidadãos, é urgente que se adotem regras que empiricamente já foram evidenciadas como promotoras da prosperidade econômica. Deixemos de lado a discussão sobre o preparo ou não, da maturidade ou não das pessoas, e vamos em busca daquilo que já se comprovou cientificamente como promotor do desenvolvimento econômico. E a liberdade, sobretudo a liberdade econômica, é uma das mais importante delas. O Direito e todos os seus aplicadores precisam saber disso.
Luciana Yeung é professora associada do Insper. Membro-fundadora e ex-presidente da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE), Diretora da Associação Latino-americana de Direito e Economia (ALACDE). Pesquisadora-visitante no Institute of Law and Economics da Universidade de Hamburgo (Alemanha). Autora (juntamente com Bradson Camelo) de “Introdução à Análise Econômica do Direito” e “Análise Econômica do Direito: Temas Contemporâneos” (coord.), além de dezenas de artigos científicos e aplicados e capítulos de livro, todos na área do Direito & Economia.
Referências:
DARON, Acemoglu; ROBINSON, James A. Why nations fail: The origins of power, prosperity, and poverty. New York: Crown Business, 2012.
HAYEK, Friedrich A. The road to serfdom: Text and documents: The definitive edition. Routledge, 2014 [1944].