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Direito e Economia: sob as lentes de Coase

Por Paulo Furquim de Azevedo Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Análises com o rigor e o método acadêmicos, mas com uma linguagem acessível para todos, sem os jargões e as firulas do texto acadêmico. Com a co-autoria de Luciana Yeung
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A cultura determina a prosperidade dos povos?

Eis uma velha pergunta ainda sem resposta certa

Por Luciana Yeung
Atualizado em 11 jul 2024, 09h00 - Publicado em 10 jul 2024, 16h10
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  • Um dos temas que mais suscitam meu interesse intelectual é também uma das questões mais antigas das ciências sociais: qual é o papel da cultura na determinação do nível de prosperidade ou fracasso econômico de uma nação? Escrevo “suscita meu interesse intelectual”, mas quero deixar claro que não sou pesquisadora acadêmica sobre o tema, e as razões de eu optar por manter essa situação são pelo menos duas: (i) a enorme dificuldade para acessar a relação entre essas variáveis, (ii) o “perigo” de estudar esse tema em tempos de “politicamente correto”. Explicarei as duas mais à frente. 

    Desde pelo menos Max Weber, cientistas sociais tentam explicar, de maneira científica, que determinadas culturas são mais “propícias” ao desenvolvimento econômico do que outras. Weber mostrava como os protestantes tinham uma ética (usou a palavra “ética”, mas – como veremos – cultura pode ser determinada por uma infinitude de elementos, inclusive a ética) alinhada com as atividades comerciais e, portanto, com o desenvolvimento do capitalismo. Mas muito antes, e também muito depois de Weber, vários estudiosos escreveram ou se expressaram sobre o tema de maneira tão científica quanto ele, outros nem tanto. Até mesmo coloquialmente, de forma jocosa, as pessoas têm tendência a querer encontrar relações entre cultura dos povos e grau de desenvolvimento econômico. Lembro-me, por exemplo, quando eu era criança e morava em Brasília: eu costumava ouvir as pessoas comentando humoradamente: “O Brasil não tem jeito, não… Só se jogassem uma bomba atômica aqui e recolonizasse com alemães ou japoneses…” (acho que as pessoas queriam me agradar, achando que eu era japonesa). Claramente, por trás da piada estava uma crença no determinismo cultural: povos como alemães e japoneses são fadados ao sucesso enquanto que povos como os brasileiros “não tem jeito”.

    É fácil perceber que tais afirmações podem ser rasas em embasamento científico. Mesmo esse aspecto da teoria de Weber não é aceito de maneira unânime e é contestado por muitos. No celebrado livro Why Nations Fail  (Por que as Nações Fracassam, 2012), Daron Acemoglu e James Robinson apresentam, em todos os capítulos do livro, exemplos de diversos momentos e lugares da humanidade, mostrando como povos de mesma origem cultural chegaram a resultados econômicos bem distintos. 

    Uma das minhas estórias favoritas é a que abre o capítulo 3: a história dos irmãos Hwang. Irmãos consanguíneos, por uma fatalidade da vida e da História, em agosto de 1948, ficaram separados pelo paralelo 38, uma linha artificial, que dividiu a nação coreana em duas novas, a do Norte e a do Sul. Um povo que por milhares de anos foi único, com a mesma língua, mesma religião, mesma escrita, enfim, mesma cultura – de repente se viu rompido por uma fronteira imaginária. O que Acemoglu e Robison contam é que, não foram necessários mais que 50 anos, quando os irmãos se reencontraram nos anos 1990s, o destino deles havia mudado completamente: um, o irmão que ficou no lado sul da fronteira (um farmacêutico), gozando de bem-estar material, com boa saúde, carreira profissional bem estabelecida. O irmão que ficou no norte (um médico) estava subnutrido, vestia roupas desbotadas e remendadas – que na verdade eram emprestadas do governo para ocasião da visita aos parentes do sul –, e andava sempre desconfiado, com medo que alguém os estivesse espionando. Este não tinha nenhum bem material de sua propriedade. 

    Claramente, Acemoglu e Robinson não estavam contando a estória dos irmãos Hwang somente (muito provavelmente são personagens de ficção, usados somente para fins didáticos), mas de dois povos inteiros, milhões de pessoas. Um povo que tinha a mesma cultura, mas foi separado, repentinamente por uma fronteira artificial. Os autores afirmam categoricamente (e repetem várias vezes ao longo do livro): “Nem a cultura, nem a geografia, ou a ignorância podem explicar os diferentes caminhos trilhados pelas Coreias do Sul e do Norte. Temos que olhar para as instituições em busca de respostas.” (p.73)

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    A Coreia não é a única estória de mesmo povo e mesma cultura com destinos diferentes. Também tenho testemunhos do meu povo: os chineses que foram o mesmo povo por 5 mil anos, separados por um estreito do oceano desde 1949, quando no continente se instalou o governo do Partido Comunista Chinês, e na ilhazinha de Taiwan se instalou (fugido do outro lado do mar) o governo do Partido do Kuomingtang, com apoio dos Estados Unidos. Posso dizer que, 30 anos foram suficientes para separar os indicadores econômicos e sociais de maneira significativa nos dois lados do estreito (por meio de testemunhos familiares). 

    Isso não foi só particularidade dos asiáticos do leste. Todos conhecem também a estória quase que idêntica da Alemanha, separada em duas após a 2ª Guerra Mundial. O que é curioso no caso alemão é que, mesmo depois da reunificação, as disparidades econômicas e sociais criadas durante as poucas décadas de separação entre a Alemanha Ocidental e Oriental persistem. Até mesmo um economista influencer nas redes sociais mostrou um mapa da atual Alemanha, reunificada, porém com indicadores bastante distintos de um lado e do outro do território.

    Então, voltando à pergunta inicial desta coluna, podemos concluir que a cultura não impacta em nada no resultado de prosperidade (ou miséria) dos povos? Se essa questão fosse tão fácil assim, não haveria motivos para tanto debate, e para que a pergunta continuasse sem resposta certa até hoje. Na próxima coluna, continuaremos discutindo esse interessante tema. Vamos mostrar “o outro lado” das pesquisas acadêmica, sobretudo na economia institucional, e o que poderíamos resumir dos trabalhos já feitos (que estão ainda muito longe de acabar).

    Luciana Yeung é Professora Associada do Insper. Membro-fundadora e ex-presidente da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE), Diretora da Associação Latino-americana de Direito e Economia (ALACDE). Pesquisadora-visitante no Institute of Law and Economics, da Universidade de Hamburgo (Alemanha). Autora (juntamente com Bradson Camelo) de “Introdução à Análise Econômica do Direito” e “Análise Econômica do Direito: Temas Contemporâneos” (coord.), além de dezenas de artigos científicos e aplicados e capítulos de livro, todos na área do Direito & Economia. 

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