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Diário de um Escritor

Por Flávio Ricardo Vassoler Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Um olhar para o cotidiano histórico e cultural da Rússia - mas muito além do futebol
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A Rússia de Dostoiévski e Tolstói, Maiakóvski e Stálin, Gagárin e Putin

Nome deste blog, Diário de um Escritor, é uma homenagem ao escritor Dostoiévski, que venho estudando com afinco há mais de uma década

Por Flávio Ricardo Vassoler
Atualizado em 30 jul 2020, 20h25 - Publicado em 15 jun 2018, 07h35
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  • Cidades-sede da Copa 2018: Moscou – Rússia
    Catedral de São Basil (//iStock)

    Ao longo da década de 1870, o escritor russo Fiódor Mikháilovitch Dostoiévski (1821-1881) compôs o Diário de um Escritor, cujos textos de cunho literário e filosófico, histórico e político contribuíram sobremaneira para disseminar a obra do autor dos famosos cinco elefantes: Crime e Castigo (1866), O Idiota (1869), Os Demônios (1872), O Adolescente (1875) e Os Irmãos Karamázov (1880).

    Em homenagem ao escritor que eu venho estudando com afinco há mais de uma década e que me fez viver em ambas as fronteiras da Guerra Fria que hoje parece rediviva – vivi em Moscou durante o mestrado, entre os anos de 2008 e 2009, e fiz minha pesquisa de pós-doutorado em Chicago, em 2017 –, intitulo Diário de um Escritor na Rússia o conjunto de textos que vou escrever para o site de VEJA durante a Copa do Mundo de 2018 e que me fará viajar, como um nômade, pelas seguintes cidades:

    3. Arco do Triunfo russo, nas imediações da estação de metrô Parque da Vitória, em Moscou, celebrando a expulsão das tropas napoleônicas do país
    Arco do Triunfo russo, nas imediações da estação de metrô Parque da Vitória, em Moscou, celebrando a expulsão das tropas napoleônicas do país (Divulgação/Divulgação)

    Moscou, capital da Rússia e cidade natal de Dostoiévski;

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    Níjni Novgorod, cidade fechada (isto é, com severas restrições de acesso) à época da finada União Soviética (URSS), local do exílio imposto ao físico nuclear (e opositor do regime soviético) Andrei Sakharov (1921-1989);

    Kazan, histórico enclave tártaro-mongol conquistado pelo tsar Ivan, o Terrível (1530-1584), em meados do século XVI;

    Saransk, local de residência – o que, à época da URSS, também podia significar exílio –, de 1949 a 1969, do crítico literário Mikhail Bakhtin (1895-1975) e, desde fevereiro de 2013, do ator Gérard Depardieu (1948 – ), quando o francês decidiu abandonar seu país, por causa dos impostos (supostamente) escorchantes, para abraçar “a grande democracia russa sob Vladimir Putin”;

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    Samara, cidade que teria se transformado na capital soviética durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), caso Moscou tivesse caído nas garras dos invasores nazistas;

    Volgogrado, antiga Stalingrado, cidade assim batizada em homenagem ao líder soviético Ióssif Stálin (1878-1953) e local onde se travou, rua a rua, prédio a prédio, ruína a ruína, a batalha histórica entre os invasores nazistas e a resistência soviética – o desenlace a favor do Exército Vermelho sepultou a invencibilidade das tropas hitleristas e, hoje sabemos, acabou sendo o marco para a reversão do curso da Segunda Guerra;

    Rostov-sobre-o-Don, cidade que, durante a guerra civil (1918-1921) que se seguiu à Revolução Russa de outubro de 1917, se viu tomada por conflitos encarniçados entre os russos brancos (partidários do tsar destronado e republicanos antibolcheviques) e os russos vermelhos, capitaneados por Liev Trótski (1879-1940), fundador e organizador do Exército Vermelho;

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    Sotchi, tradicional balneário caucasiano à beira do Mar Negro, sede dos Jogos Olímpicos de Inverno em 2014 – a primeira vitrine político-esportiva de Vladimir Putin (1952 – ) antes da Copa do Mundo;

    Kaliningrado, cidade assim batizada pelos soviéticos em 1946, em homenagem ao bolchevique Mikhail Kalinin (1875-1946), mas que, sob domínio prussiano e alemão, se chamava Königsberg, local de nascimento e morte do filósofo Immanuel Kant (1724-1804);

    São Petersburgo, capital literária da Rússia (e do mundo), janela aberta para a Europa pelo tsar Pedro, o Grande (1672-1725), e, segundo o homem do subsolo, (anti-herói dostoievskiano da obra Memórias do Subsolo (1864), “a cidade mais abstrata [porque reflexiva] do mundo”. Entre 8 de setembro de 1941 e 27 de janeiro de 1944, durante a Segunda Guerra Mundial, São Petersburgo – então batizada de Leningrado, em homenagem ao líder soviético Vladimir Lênin (1870-1924) – enfrentou um terrível cerco imposto pelos invasores nazistas, sítio que vitimou de fome, frio e doenças algo em torno de 700.000 civis.

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    1. Painel na estação de metrô Parque da Vitória, em Moscou, em homenagem ao Alto Oficialato que rechaçou as tropas napoleônicas da Rússia no início do século XIX
    Painel na estação de metrô Parque da Vitória, em Moscou, em homenagem ao Alto Oficialato que rechaçou as tropas napoleônicas da Rússia no início do século XIX (Divulgação/Divulgação)

    Na estação de metrô Parque da Vitória, em Moscou, há um longo corredor principal, em cujas extremidades descubro que a Rússia faz questão de se lembrar das barricadas de sua história com dois painéis emblemáticos. O painel à direita retrata o príncipe e marechal de campo Mikhail Ilariónovitch Goleníschev-Kutúzov (1745-1813) secundado por seu estado-maior. A data do painel é inequívoca: 1812. Kutúzov e seu alto oficialato são os heróis da resistência à invasão pelas tropas francesas comandadas por ninguém mais que Napoleão Bonaparte (1769-1821).

    O painel à esquerda leva a Praça Vermelha, o coração de Moscou, à estação Parque da Vitória. Soldados soviéticos são ovacionados, mulheres, crianças e idosos se abraçam em êxtase, flores e boinas vão ao ar, um jovem embasbacado ainda não acredita no que está acontecendo: o painel retrata o dia 9 de maio de 1945, dia em que o III Reich nazista deixou de existir, dia da vitória soviética na Grande Guerra Patriótica (1941-1945) – eis o nome pelo qual os russos chamam a Segunda Guerra.

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    Se a memória como cicatriz leva a Rússia a se ver como um país historicamente agredido e invadido pelas potências ocidentais, a Polônia, invadida pelos soviéticos em setembro de 1939, bem no início da Segunda Guerra, como parte do espólio acordado nas antecâmaras da assinatura do Pacto Ribbentrop-Molotov, o pacto germano-soviético de não-agressão firmado entre Adolf Hitler (1889-1945) e Stálin; a Hungria e a então Tchecoslováquia, invadidas pelos soviéticos, respectivamente, em 1956 e 1968, como forma de debelar rebeliões contra a dominação da URSS; e, mais recentemente, a Ucrânia, que assistiu, em 2014, à anexação da Crimeia pela Rússia de Vladimir Putin, após um referendo realizado ao arrepio da temporalidade determinada pelas leis internacionais – todos esses países bem podem asseverar que, além de vítima, a Rússia é uma nação deveras imperialista.

    Pois é através desse país de cultura e história tão ricas quanto contraditórias que eu viajarei para compor o Diário de um Escritor na Rússia – a Rússia da grande literatura composta por Alexander Púchkin (1799-1837) e Nikolai Gógol (1809-1852), Fiódor Dostoiévski, Liev Tolstói (1828-1910) e Anton Tchékhov (1860-1904); a Rússia da dinastia Románov e de Vladimir Lênin, Liev Trótski e Ióssif Stálin; a Rússia dos poetas Anna Akhmátova (1899-1966) e Marina Tsvetaeva (1892-1941), Vladimir Maiakóvski (1893-1930) e Ossip Mandelstam (1891-1938), cujas mortes trágicas apontam para os descaminhos da utopia revertida em distopia estalinista – consta que Mandelstam certa vez teria dito que a Rússia era o único país que levava a poesia realmente a sério, já que era bem possível morrer por causa dela; a Rússia do cosmonauta soviético Iúri Gagárin (1934-1968), o primeiro homem a singrar o espaço sideral; a Rússia dos grandes literatos (e opositores do regime soviético) Boris Pasternak (1890-1960) e Alexander Soljenítsin (1918-2008), autores que receberam o Prêmio Nobel de Literatura, respectivamente, em 1958 e 1970; a Rússia do reformista soviético Mikhail Gorbatchov (1931 – ), o líder que anunciou ao mundo o colapso da URSS; a Rússia, ao fim e ao cabo, do presidente Vladimir Putin, líder casado com o poder até que a morte os separe.

    O autor

    Flávio Ricardo Vassoler, escritor e professor, é doutor em Teoria Literária e Literatura Comparada pela FFLCH-USP, com pós-doutorado em Literatura Russa pela Northwestern University (EUA). É autor das obras’ O Evangelho Segundo Talião’ (nVersos, 2013), ‘Tiro de Misericórdia’ (nVersos, 2014) e ‘Dostoiévski e a Dialética’: ‘Fetichismo da Forma, Utopia como Conteúdo’ (Hedra, 2018), além de ter organizado o livro de ensaios ‘Fiódor Dostoiévski e Ingmar Bergman: o Niilismo da Modernidade’ (Intermeios, 2012) e, ao lado de Alexandre Rosa e Ieda Lebensztayn, o livro ‘Pai contra Mãe e Outros Conto’s (Hedra, 2018), de Machado de Assis. Página na internet: Portal Heráclito, https://www.portalheraclito.com.br.

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