2024 e a tempestade tributária
Neste ano teremos a vigência de medidas cruéis que têm o objetivo de fazer as contas públicas se equalizarem à força
O ano de 2023 será lembrado pelo primeiro brasileiro que toma posse para exercer um terceiro mandato como presidente da República. Mas, a marca maior de 2023 é menos ufanista. Na memória ficarão letras, siglas e número de leis e medidas provisórias que aumentaram substancialmente a carga tributária brasileira. Nos anais ficará registrado que o contribuinte foi novamente chamado a pagar as contas de um governo perdulário, que gasta mais do que arrecada e não vê com bons olhos algo que todo empresário, pai e mãe de família sabem muito bem: no final do mês, a conta tem que fechar.
Para 2024, teremos a vigência de medidas cruéis que têm o objetivo de fazer as contas públicas se equalizarem à força.
Em primeiro lugar, foi aprovada a modificação do modo como devem ser reconhecidos os incentivos fiscais de ICMS concedidos pelos estados e pelo Distrito Federal para atrair investimentos ao seu território. Em 2017, no governo Temer, foi aprovada legislação que isentava esses incentivos do IRPJ, CSLL, PIS e Cofins. Mas, no apagar das luzes de 2023, o atual governo revogou a dita isenção e, segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a medida pode gerar R$ 35 bilhões de arrecadação somente em 2024. O otimismo do governo contrasta com a sensação de perda dos estados e dos contribuintes. Afinal, com a nova tributação, os investimentos podem perder a atratividade, a geração de empregos pode ser comprometida, assim como o desenvolvimento regional.
Outro ponto que merece destaque é a reoneração da folha de salários. Já abordei o tema em artigo publicado no site de VEJA. A novidade é a reviravolta: em 14 de dezembro, o Congresso derrubou o veto do presidente Lula em torno da prorrogação da chamada “desoneração da folha de salários”, mas, pouco depois, em 28 de dezembro, o governo lançou mão de medida provisória para reinstituir, “na marra”, a incidência de contribuição previdenciária sobre a folha de pagamentos.
Insegurança jurídica
A primeira sensação que surge é o desconforto criado entre o Legislativo e o Executivo, já que, à toda evidência, estamos diante da não aceitação do jogo democrático pelo governo. A segunda diz respeito à insegurança jurídica dos contribuintes, que não têm como planejar seus investimentos para o próximo ano, especialmente se terão que reduzir seus quadros de funcionários.
No pacote, também chama a atenção a limitação nas compensações de créditos tributários. Essas compensações são reflexos de decisões judiciais dadas a contribuintes que, após ajuizar suas ações judiciais, tiveram o reconhecimento de que o Fisco lhes cobrou tributos indevidamente e enriqueceu ilicitamente. A devolução desses valores se dá via sua compensação com tributos vencidos ou vincendos. Isto é, os contribuintes quitam suas dívidas com créditos de impostos pagos indevidamente ao Fisco. É um meio justo e eficiente. Mas, de acordo com Fernando Haddad, esse método estava lesando o Erário e, por isso, limitou a utilização dos créditos pelo tempo: agora, as compensações devem ocorrer entre doze e sessenta meses, a depender do valor a ser restituído. O teste de constitucionalidade dessa restrição certamente será levado ao Poder Judiciário. No entanto, o que já fica claro a esta altura é a imoralidade do governo, que cobra mais do que o devido e quer devolver a conta gotas.
O Poder Público também avançou ao Perse, regime tributário de empresas do setor de turismo, como hotéis, bares e restaurantes, que isentava as empesas de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins até 2027, mas foi revogado em 2023, em total desrespeito à segurança jurídica. Isso sem contar outras medidas, como a restrição da dedutibilidade dos Juros sobre Capital Próprio e a tributação sobre offshore, que já estão gerando fuga de capitais para o exterior, bem como a aprovação do aumento progressivo das alíquotas de ITCMD, entre outras.
Tivemos algumas poucas boas notícias, como os incentivos ao desenvolvimento de veículos elétricos pela indústria nacional e o programa de autoregularização de débitos lançado pela Receita Federal. Mas, também estamos diante da expectativa de medidas que podem trazer novos reveses aos contribuintes, como as regulamentações da Emenda Constitucional 132, a de reforma dos tributos sobre consumo, ou mesmo as normas que darão cabo da reforma tributária da renda, o que inclui, por exemplo, a taxação de dividendos.
O panorama, visto pelo prisma dos tributos, não é bom. O noticiário econômico dá conta de que muitas empresas não vão bem e a população reduz o seu consumo porque a renda é minguada e incerta. As iniciativas do governo só tendem a tornar tudo mais preocupante ao armar uma verdadeira tempestade tributária para 2024.
* Adolpho Bergamini é advogado, professor e Autor de livros e diversos textos de direito tributário. Também foi conselheiro do Carf e juiz do TIT/SP há 14 anos