O ano é 2005. Com uma mochila nas costas e uma pequena mala em mãos, eu procurava informações no aeroporto de Nova Délhi, a capital da Índia. Por incrível que pareça, ninguém falava inglês. Como o aeroporto tem administração militar, busquei um oficial e consegui tirar minhas dúvidas. Cheguei ao hotel e, no dia seguinte, fui para a cidade de Puna.
O que eu fazia por lá? Havia sido convidado a dar aulas e realizar cirurgias bariátricas, popularmente chamadas de operações de redução do estômago, diante dos profissionais de lá. Com a obesidade ganhando escala, o mundo se abria a essa nova terapia – e, naquela época, poucos médicos tinham o treinamento para executá-la.
Foi a minha primeira viagem para a Índia. Depois voltei a Mumbai, Calcutá, Nova Déhli mais uma vez. Eram anos diferentes e impensáveis. Viajava pelo mundo ensinando. Eu, um orgulhoso e jovem cirurgião brasileiro, operava sempre com um gorro com a bandeira do país e, ao final dos procedimentos, assistia à disputa para ver quem ficava com o “troféu”.
A experiência me levou a entender melhor o seríssimo problema chamado obesidade. Como um país de hábitos vegetarianos como a Índia, com enorme degrau de renda, tinha tantos obesos mórbidos? A resposta estava nos supermercados evidenciando uma nova tendência alimentar: os produtos industrializados e ultraprocessados.
Populações de baixa renda buscavam (e ainda buscam) biscoitos, refrigerantes e macarrões instantâneos como fontes de comida barata e não perecível e desconhecem as consequências dessa escolha até ficarem acima do peso ou com alguma doença. Entre os indianos, aliás, existem aqueles cuja composição corporal é naturalmente magra e, ao encarar o aumento de peso, já padecem com consequências metabólicas, principalmente o diabetes.
As viagens continuaram. Voar por esse mundo e entender o que estava acontecendo era algo que não podia deixar parar. As próximas paradas foram Costa Rica e México. Países tão próximos, mas bem diferentes. Assim como na Índia, o México enfrentava uma robusta mudança de hábito alimentar, com a população acumulando gordura, especialmente no abdômen, e ficando refém do diabetes. E a faixa mais afetada era justamente a de baixa renda.
E aí conectei os pontos, porque fenômeno semelhante ocorria no meu país. A doença metabólica que me levava a viajar por tantos destinos também era uma realidade no Brasil. Uma doença que, após a cirurgia bariátrica e a perda expressiva de peso, podia desaparecer.
Essa era a época do meu doutorado. No laboratório da Unicamp, realizava as minhas pesquisas na área de obesidade, trabalho que segue adiante até hoje. No mesmo período, fui convidado, junto a outros seis médicos do mundo, para um encontro secreto em Estrasburgo, na França. Iniciava-se a discussão sobre a possibilidade de solucionar o problema dos diabéticos por métodos cirúrgicos.
Em 2008, assinei com uma das maiores editoras de livros do planeta, a Mc Graw-Hill de Nova York, o contrato para o livro Obesity Surgery: principle and practice. Eu, um brasileiro, seria o editor-chefe de um guia médico de alcance global, reunindo com os maiores nomes desse campo que ganhava fôlego, a cirurgia da obesidade.
Novamente voltei aos aeroportos: França, Portugal, Holanda, Bélgica, Estados Unidos e diversas cidades do Brasil. Entre médicos e pacientes, muita gente queria escutar e aprender um pouco mais. A rotina entre voos, hotéis, hospitais e universidades era intensa, mas a vontade de fazer a diferença pelo mundo era maior. No momento, tinha dúvida se ficar no Brasil seria a decisão mais acertada.
Em 2010, decidi ficar e ajudar. Iniciei um programa público no Rio de Janeiro que, durante dez anos, beneficiou mais de 6 000 pessoas com obesidade grave. Operei, somente nesse projeto, 3 500 cidadãos de baixa renda. Não fosse essa ação, muitos deles nem estariam aqui para ler esta história. Era gratificante ver o tratamento que esses pacientes me davam ao terem tido a oportunidade de serem operados por mim.
Muitas vezes, me senti só caminhando pelos corredores dos aeroportos. Porém, nos corredores do hospital público, eu mal conseguia caminhar. Era lá que todo o bem que eu tinha feito àqueles pacientes com obesidade voltava em dobro para mim e me dava a certeza de que eu tinha que ficar e continuar.
O programa no Rio findou, mas por aqui ainda estou… E, quando achava que, finalmente, pararia no Rio de Janeiro, cidade onde tudo começou para mim, o aeroporto novamente me chamou. Fui convidado operar regularmente em São Paulo. Hoje, permaneço horas dentro do avião, mas satisfeito e feliz de ter ficado no meu país do coração. Porém, sempre pronto para viajar o mundo a fim de construir pontes e soluções diante dessa desafiadora pandemia de obesidade.