O Brasil tem bons educadores e péssima educação. Porque eles formulam a teoria de como deve ser uma boa sala de aula, mas são os políticos que implantam a rede de escolas com professores bem formados e dedicados, edificações com qualidade, equipadas com os mais modernos instrumentos, currículo eficiente, usando os métodos mais recomendados. Temos educadores, não temos “educacionistas”: estadistas com motivação, liderança, base eleitoral e poder para implantar um sistema nacional de educação. É como se tivéssemos grandes médicos sem políticos que investissem na implantação do SUS ou na construção de hospitais.
Por falta de educacionistas, as propostas dos educadores ficam teóricas ou influem apenas localmente, e por pouco tempo. Darcy Ribeiro, com os Centros Integrados de Educação Pública (Cieps), Anísio Teixeira como líder do grupo que formulou o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, Paulo Freire com experiências pontuais para alfabetização de adultos. Ideias e ações que não encontraram líderes nacionais, nem governos que as executassem nacionalmente e de maneira sustentável.
“Sem uma população educada, fica impossível desenvolver o país com justiça e democracia”
Tivemos estadistas da independência, da abolição, da agricultura, da industrialização, da energia, do transporte, da democracia, do desenvolvimento, da marcha para o Oeste, da estabilidade monetária e da distribuição de rendas mínimas aos pobres, mas ainda não tivemos um estadista da educação. Nenhum presidente usou sua liderança para criar um instinto nacional pela educação, convencer a população de que o progresso requer educação de base com qualidade para todos, nem formulou estratégia para implantar o sistema e tomar as medidas necessárias para elevar a escola brasileira ao nível dos países mais bem educados, ainda menos para assegurar a mesma qualidade, independentemente da renda e do endereço da criança. Não mobilizou parlamentares, empresários, sindicatos, inclusive de professores, para a importância da qualidade e equidade na educação como o vetor do desenvolvimento econômico, e como o mecanismo da distribuição de renda e promoção de justiça social. Nenhum liderou campanha efetiva pela erradicação do analfabetismo entre adultos, implantação de sistema público educacional nacional com a máxima qualidade e equidade. Nem mesmo um Ministério para a Educação de Base foi até hoje criado. Nossos presidentes se preocupam no máximo em atender às reivindicações do ensino superior, sem perceberem que o alicerce de um sistema universitário está na educação de base.
Não nos faltam grandes educadores, faltam estadistas educacionistas, porque os eleitores não os escolhem e os eleitos não demonstram vocação, impulso ou competência. Prisioneiros dos desejos e interesses individuais e de curto prazo, eleitores e eleitos brasileiros têm um pacto implícito de priorização a outros setores, esquecendo a educação de base. A consequência é que, apesar do sucesso em outros setores, o progresso do país esbarra por falta de aglutinação social, de produtividade econômica, de distribuição de renda e outros benefícios, de estabilização democrática, que só a educação é capaz de propiciar. Sem uma população educada, fica impossível desenvolver o país com eficiência, sustentabilidade, justiça e democracia.
Faltam educacionistas que promovam o futuro que os demais estadistas não conseguiram, porque sem a base educacional seus propósitos setoriais se esgotam, mesmo quando bem-sucedidos.
Publicado em VEJA de 27 de outubro de 2023, edição nº 2865