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O silêncio que precede o fim: autor reconstrói últimos momentos de poetas

Quatro escritores que se suicidaram protagonizam livro do espanhol Juan Tallón, que nos fala do desafio do tema e dos poderes terapêuticos da literatura

Por Diogo Sponchiato Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 9 Maio 2024, 11h35 - Publicado em 5 mar 2024, 15h12
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  • O suicídio é o fio condutor do novo romance de Juan Tallón. Fio condutor, não protagonista. Os personagens principais – e os versos que eles criaram – são maiores que o final de suas vidas, ainda que seus últimos momentos tenham, sim, muito a dizer.

    O italiano Cesare Pavese, a argentina Alejandra Pizarnik, o catalão Gabriel Ferrater e a americana Anne Sexton são os quatro escritores que acompanhamos nas páginas de Fim de Poema, livro traduzido e publicado na primeira safra do selo de ficção Poente, da Editora WMF Martins Fontes. 

    Em comum, todos eles tiraram a própria vida ao deparar, como reflete Tallón, com “um silêncio insuportável, o de sua poesia”. A boia que os mantinha sobre a superfície murchou… Para Pavese, em 1950. Para os outros três, no início dos anos 1970.

    Misturando densa pesquisa biográfica à invenção literária, o autor espanhol percorre os instantes que precedem o fim dos quatro grandes poetas, sem jamais despencar na morbidez ou na exploração dramática. A emoção da narrativa está em meio às histórias, não no fim. Daí a força deste romance costurado por gente que enfrentou angústias profundas e transformou parte delas em versos.

    Nesta conversa, Tallón fala de como surgiu a ideia do livro, do processo de construção da obra e dos poderes terapêuticos da literatura.

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    Com a palavra, o autor.

    Como chegou – ou foi conduzido – à ideia de escrever um livro sobre os momentos finais de grandes poetas?

    Talvez haja uma razão no porquê uma pessoa escreve alguns livros, e não outros, e como os escreve, o que escapa a seu controle. Algo que é impossível saber com precisão. De qualquer forma, há obsessões que direcionam você a algumas histórias, e a outros, não. No meu caso, o suicídio é um acontecimento pelo qual sempre desenvolvi um interesse literário. Vivenciei, quando menino, o suicídio do pai de um amigo, e isso me impactou para sempre.

    Então estou sempre me aprofundando no tema. Nunca tão conscienciosamente como em Fim de Poema, em que o interesse pelo suicídio se cruzou com minha obsessão por certos poetas. Sexton, Pizarnik, Ferrater e Pavese são alguns deles. Nesse caso, tratei de mergulhar na ideia de que o suicídio havia precedido um silêncio insuportável, o de sua poesia. Em determinado momento, eles deixaram de escrever. O poema se calou. E justamente a poesia era o ferro incandescente ao qual ainda podiam agarrar-se. Mas um dia esse ferro se esfriou.

    Foi difícil a tarefa de centrar-se em relatos tocados pela morte? Como foi o processo de construção narrativa mesclando elementos da vida real com a ficção?

    Foi um processo extremamente delicado do ponto de vista da escrita, porque havia um terreno que eu não tinha interesse em abordar: o ato mortal do suicídio. Mas eu estaria muito perto dele. Me arriscaria a pisar a linha vermelha do mórbido. E por nada nesse mundo queria recriar o instante em que os personagens se suicidam. Queria percorrer suas últimas horas.

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    Talvez meu propósito não fosse escrever um livro, mas construir uma caixa preta, como a dos aviões, em que se registrassem os movimentos solitários, os pensamentos, as conversas dos protagonistas durante suas últimas horas, até o momento da morte. E fazer isso, sem incorrer nos perigos que acabo de citar, não era nada fácil.

    Houve um processo de documentação muito exaustivo para tentar chegar o mais longe possível nos acontecimentos reais. Mas, como podemos imaginar, as últimas horas da vida de um suicida são uma reserva inacessível. Falamos de momentos que transcorrem em grande privacidade, a portas fechadas. É quase impossível saber o que ocorreu.

    Para saber o que aconteceu, e como, temos de inventá-lo. Só assim é possível se aproximar à verdade. Porque a verdade, às vezes, tem de ser construída. Queria decifrar esse lapso de comunicação do poeta que sabe que chegou ao seu final, que não pode seguir com as próprias pernas, o que passa pela cabeça de uma pessoa que, de repente, vê claramente que vai tirar a própria vida. Essa aproximação só se pode fazer por meio da ficção.

    Por outro lado, escrevi as quatro histórias de um modo muito diferente do que o leitor acaba lendo. A desordem temporal que impregna o romance é resultado de um planejamento severo. Cada uma das quatro histórias foi dividida em cinco partes. Só uma delas segue uma ordem de tempo linear, com a morte do protagonista no fim do relato. As demais estão dispostas de tal forma que os arcos narrativos variam entre si. Em alguns casos, a história começa com o suicídio em si ou ele transcorre em algum momento intermediário do relato. Meu propósito era que a intensidade emocional se espalhasse ao longo do livro, e não só no final.

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    juan-tallon
    (Foto: Laura Ortega/Reprodução)

    Acredita que a literatura possua um efeito terapêutico, ainda que nem sempre ofereça salvação?

    A literatura se reserva ao direito de ser, entre outras coisas, um acontecimento secreto. Há algo que se circunscreve exclusivamente ao livro e a cada um de seus leitores, de modo que cada pessoa está legitimada a dizer a que se presta a literatura, qual sua utilidade, e, nesse cenário, ler pode ser terapêutico e salvador.

    Eu posso dizer que, para mim, a literatura possui um alcance extraordinário que tem me permitido construir sobre ela um estilo de vida. Me dá de comer, me dá o que pensar, me dá com que sonhar. Me proporciona toda uma riqueza que, sem ela, enxergaria minha vida como algo dolorosamente pobre. Além disso, talvez a leitura salve vidas. É difícil saber quantas tenham sido salvas nesse momento em que alguém se limita a estar sentado com um livro nas mãos, concentrado na história.

    Ler também representa, em certo sentido, um ato defensivo, uma ponte para o futuro. Lembro que, nas semanas que tinha que convencer minha filha para que lesse ao ir à cama, e ela alegava que não gostava de ler (agora já não faz mais isso), eu lhe perguntava, com meu toque exagerado, se preferia se jogar pela janela, engasgar-se com uma tampa de garrafa, ficar com medo vendo um filme de alienígenas ou mesmo enfiar os dedos numa tomada. Com certeza eram perguntas erradas, terríveis e absurdas, e ela respondia que preferia ler. Achava graça porque às vezes ela acrescentava “Dadas as circunstâncias…”, como para esclarecer que a leitura só era apetecível frente à eletrocussão ou ao afogamento.

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    Ler te afasta de perigos perfeitamente imagináveis. Não me custa acreditar que a leitura me impediu de cair em escadas íngremes ou no buraco de um elevador. Ler me ajudou a evitar a experimentar heroína, a não correr uma maratona, a não me envolver em discussões com meus pais que não levariam a lugar nenhum, a não sonhar em ser advogado ou jogador de basquete, a não atropelar uma criança.

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